Tango.

Este texto originalmente era parte de um conto sobre amigos de fórum, mas dei uma mexida para que fosse apenas um conto comum. Espero que gostem.

Um oficial de polícia vem até a sala onde estavam detidos e avisa que é hora de embarcar.
O grupo se levanta e põe-se a atravessar o saguão para finalmente ir ao portão de embarque.
Gabriela e Diogo vão de mãos dadas atrás de Oliver, Kohara e Nabuco.
Buck - que a todo o momento é confundido com alguém - caminha atrás do casal.

-Isto agora vai ser difícil... Acho que vai ser um adeus. - diz Gabriela.
-Não... Acho que não. Eu ainda posso voltar. Acho... - Diogo responde com olhar perdido.
-Só se for assim... Por que se não for fugindo, nunca sairei daqui.
-Fico triste, apesar de estar aqui há apenas dois dias gosto de você.
-É, pouco tempo, mas pareceu uma eternidade. Me apeguei ao grupo e não vou mentir. Você me atraiu.
-Eu entendo, acho que também me senti assim. Mas não posso afirmar nada.

No portão de embarque outro policial para o grupo para dar um ultimo aviso.
-Vocês vão ter que viajar num vôo comercial. Um vôo vindo de Aruba vai fazer uma escala aqui e vocês terão de ir nele. Estão todos com as passagens?
-Sim... – responderam todos.
Kohara; Oliver; Nabuco; Buck; Felipe e Diogo dão sorrisos aliviados.
Ir num vôo de carreira e chegar em casa como se fossem apenas turistas após serem confundidos com subversivos. Melhor assim.

Quando chegam ao limite do portão de embarque, viram-se para se despedir de Gabriela: beijos protocolares, abraços e apertos de mãos.
Quando chega a vez de finalmente se despedirem, Gabriela e Diogo se abraçam forte. Ele estica o braço e rouba uma rosa vermelha do vaso mais próximo e a coloca entre os próprios lábios. Uma das mãos vai às costas de Gabriela e com a outra segura sua mão.
Só então todos se dão conta que o sistema de som do aeroporto esta tocando “Por una cabeza”, mesmo tango com que Al Pacino fez uma cena lindíssima no filme “Perfume de Mulher”. Ele caminha para ela enquanto ela caminha de costas. Param.
Com os pés desenham ‘oitos’ pelo chão.
A puxa pelo braço, ela finge querer escapar. Ele a segura e a puxa para si. Os rostos se aproximam.
Ele a curva com um braço em sua cintura. Ela se ergue e dobra uma das pernas.
Abraça-a e recomeça o mesmo movimento.
O grupo assiste de boca aberta.
Os policiais aplaudem discretamente.
Diogo segura Gabriela, que com um salto se põe em seu colo.
Com outro salto ela sai.
Agora ela caminha para ele que dá dois passos para trás. Tudo isto sem soltar a rosa que mantinha entre os lábios.
Eles volteiam pelo saguão. Tudo com muita graça e leveza.
Simulam pequenos chutes no ar.
Os giros e rodopios se repetem. O entrelaçar das pernas...
Parece não existir mais ninguém e nada por perto. Apenas os dois e só isto importa.
A cena é tão sensual que Nabuco- ainda um adolescente - procura um lugar para sentar e curvar o corpo.
Oliver – já um senhor - vê, mas não chama a atenção de ninguém para o fato. Entende os rigores da idade, também já passou por isto.

A musica vai acabando, Diogo ainda puxa Gabriela para si uma ultima vez.
Novamente a dobra pela cintura, segurando-a firme.
A musica acaba. Eles permanecem naquela posição por alguns instantes.
Imóveis.
Diogo separa os lábios levemente, o suficiente para que a rosa caia de sua boca e pare graciosamente sobre os lábios de Gabriela. Aproxima o rosto e com um movimento rápido retoma a rosa para sua boca. Raspando levemente seus lábios nos dela, que de olhos fechados suspira. O Aeroporto inteiro explode em aplausos por vários minutos...
Ao passar o frisson o oficial ainda visivelmente emocionado pergunta novamente se todos estão com as passagens.
-Minha irmã aqui ta sem, ó! – grita Buck.
-Bem... Ta vendo! Se eu não pergunto... Pega aqui, ô cover do Grande Otelo, a passagem para tua irmã. Brasileiro deixa tudo para a ultima hora mesmo...

Gabriela nem acredita que lhe deram a passagem. Mas não tem tempo para duvidar, apenas atravessa o portão de embarque e corre para o avião. Com os cumprimentos do governo argentino.

No interior do avião da Aerolineas Argentinas, ninguém comenta aquele rompante de Buck, apenas mostram sorrisos aliviados.
Gabriela chora.
Buck sorri satisfeito da própria esperteza. Gabriela lhe sorri agradecida.
Ao que parece tudo vai bem, apenas um incidente.
O passageiro que estava sentado na poltrona ao lado de Buck se levanta. Era um paulista que em altos brados dizia não querer viajar ao lado de Celso Pitta de jeito nenhum.

Comentários

Daniel Médici disse…
Gostei do conto, pena que o final é triste... Viajar de Aerolineas é mais triste que o final de Casablanca!

Brincadeiras à parte, tenho lembranças muito pouco agradáveis do aeroporto internacional de Buenos Aires, o Ezeiza. Mas no meu último dia por lá, estava num Caminito excepcionalmente vazio e um casal dançava tango no meio da rua. os poucos turistas não davam muita atenção. Quando terminaram, não houve palmas ou algo do gênero, apenas silêncio. Mas nenhuma outra apresentação (e eu vi muitas) me pareceu tão sincera, tão tocante.
Muy Caliente!

(acho que só isto basta)

Abs.
Anselmo Coyote disse…
Putz... Caminito vazio...!! Só com as criaturas de toda sorte que fazem aquilo funcionar... Deve ser uma desolação. Meu sonho de consumo para fotografar. Pena que em 4 ou 5 vezes não consegui.

Que belo conto, que belas fotografias.

E o Celso "Precatório" Pitta...kkkk.

It had to be you, Groo.

Abs.
Anselmo Coyote disse…
Groo,
Mas que raios esse povo estava fazendo na ilha d'El Comandante en Jefe, Fidel Alejandro Castro Ruz?
Abs.
Felipão disse…
ahhhhhhhhhhhh

eh que essa é só uma parte de uma série que foi publicada pelo Ron lá no forum...

sensacional essa parte, incluive...
Remédios a bela disse…
Groo, Você tão genial como sempre. Pena você não colocar a autoria das fotos. Gostaria de poder conhecer o grande fotógrafo. Olha, que conheço um e dos bons, que possui fotos tão belas quanto estas.
Coyote, Usted es muy positivo. Gostei.
Abraços...
Ron Groo disse…
É Remdéios, também conheço um dos bons, que inclusive ilustrou outro post meu... Great Coyote!

Estas fotos ai foi ele que me deu, mas ele também não sabia de quem eram as fotografias, que são bélissimas.

Brigado pelos elogios.
Unknown disse…
cara, até remedios a bela vem comentar no teu blog! isso que é realismo mágico

não faz caso de Daniel, tá de sacanagem, o conto ta'perfeito. mais só pelas dúvidas não voa de A.A. (aerol;ineas argentinas, não alcoólatras anónimos)

o conto é maravilhoso, diz ao respeito de como podemos criar, e de como o homem é um animal criativo, que precissa se expresar em cualquer momento. ainda mais com o tango que é ao mesmo tempo um ato sensual e arte

parabéns velho, mum conto fantástico como não lia faz tempo

atte
coronel aureliano Buendia
(que? queria asinar assim mesmo!)
Remédios a bela disse…
Caramba, F-1 A.l.C, é que realmente eu acredito que este delicioso blog seja a extensão da grande Macondo. Poxa, García Márquez ficaria feliz em saber. Se você gosta de realismo fantástico assista o filme "A Excêntrica Família de Antônia". Muito bom o filme.
Groo, Adoro fotografias e estas que você postou são lindas. Muito bom gosto e ainda por cima fazer referência a uma das cenas mais lindas do cinema. Daria tudo para dançar com Al Pacino aquele tango.
Parabéns Groo.
Abraços...
Anselmo Coyote disse…
Remédios,
Um tango à luz da lua... hummm! O uivo é certo... rsrs.
Melquíades, El gitano.