The ocean (1 e 2)

1
-Precisamos compor uma canção nova, no sentido de ser inédita, entendem?
Todos balançaram a cabeça afirmativamente.
E por todos entendam-se o baixista Sandro; o guitarrista Ricardo.
Cada qual em seu posto e com seu instrumento afinado.
Não eram conhecidos e nem famosos, aliás, eram desconhecidos e infames mesmo. Tanto pela falta da fama quanto pela qualidade de sua música.

-E já pensou em alguma coisa?
A pergunta era direcionada ao baterista Doni.
- Não, mas estava contando com vocês, afinal vocês são ótimos.
Não eram.
-Tá certo, você também é.
Mentira.
-Então vocês começam e eu vou atrás... Faça ai alguma coisa...
-Tudo bem, começo eu. – Ricardo empunha a guitarra e manda um riff que lembra muito “Start me up” dos Stones.

- Isto me parece algo que conheço, só não sei dizer o que é.
Desanimo.
-Porra, vocês não tem nem idéia de como fazer uma musica original, né?
- Nem você, pelo que vimos até agora...
-Eu digo algo original mesmo... Tudo que a gente consegue fazer soa como algo já feito.
-Tá bom, tá bom... Agora então faz você ai...
-Fazer o que?
-Sei lá, eu não toco bateria. Toco Baixo.
-E eu guitarra... Mas você é baterista se vira ai... A gente segue.
-Faz ai... “Praco praco pum piss”!
-Mas eu não sei fazer “praco praco pum piss”!
-Então faz qualquer merda ai...
-Melhor! Vamos todos juntos, quando eu contar até três a gente toca junto!
Doni então segura as baquetas, fecha os olhos e emenda uma batida genial.

-Ficou bom?
-Ficou! Faz de novo e a gente vai junto...
Então Doni conta até três com as baquetas acima da cabeça e manda a mesma virada, e logo os outros dois estão tocando junto com ele, perfeitamente sincronizados.
-Maravilhoso! Vai de novo!
Só que ninguém, jamais, disse a eles que naquela hora tocavam “The ocean” do Led Zeppelin.



2
Estranho, mas acho que ninguém jamais prestou atenção aos modelos de marmitas existentes.
Algumas são redondas, outras esmaltadas e quadradas. Algumas ainda são de plástico, mas, esmagadoramente a maioria, são aquelas de alumínio, retangulares e de tampas adornadas com três losangos em relevo. Do modelo mais comum e barato do mercado.
Quando o relógio marca meio dia e o sinal sonoro avisa a toda fabrica que chegou a hora do almoço, todos correm para lavar as mãos e pegar suas marmitas no enorme marmiteiro do refeitório.

O torneiro mecânico se atrasara ao desligar o rádio.
Ficou ouvindo uma canção que começava a tocar quando soou o sinal.
Era “The Ocean”, do Led Zeppelin.
Terminada a musica ele finalmente desliga o aparelho e se encaminha ao relógio para marcar seu cartão de ponto.

Depois segue até o lavatório e com abundancia de água e sabonete limpou as mãos para só então tomar o caminho do refeitório e resgatar seu almoço que o aguardava no “banho Maria” do marmiteiro.
Ansioso que estava por reencontrar o frango que sua mãe havia preparado para o jantar e que o fez dormir de estomago cheio, pesado.
Nem precisou procurar muito, só havia uma mesmo e certamente era a sua, já que todos os outros já até terminavam de comer quando chegou.
Pegou seu retângulo de alumínio com losangos na tampa e sentou-se à mesa.
Delicadamente abre-a, mas toma um susto.

- Gente! Alguém pegou minha marmita aí!
- Ih... Acho que fui eu... - diz um companheiro de turno - Desculpa aí, bem que notei que tinha algo estranho... Não lembrava de minha esposa ter feito frango para a janta. Mas ó... Tranqüilo ai! Pode comer a minha de boa, minha mulher cozinha muito bem, e não é da boca pra fora não, ou pra te agradar... Tem uns quatro ou cinco aqui que já comeram lá em casa, pode perguntar pra eles ai... Não é galera?
- Éééééééééé! – Disseram em uníssono os quatro ou cinco.

- To duvidando não... Muito pelo contrário... Mas...
- Mas nada, pode comer, sem problema, tem cação ao molho. Comprei fresquinho... E mais uma vez, desculpa ai...
- Tá... Sem problema, é que... Sabe... Eu nunca gostei de peixes... E nem de nada que venha do oceano...

Comentários

Anônimo disse…
Hehehe... taí... uma coisa que eu nunca fiz: comer peixe em marmita...

Estranhamente, ler esse texto em pleno horário de almoço, ao som de Led Zeppelin, me fez salivar...

E fico frustrado porque tenho certeza que meu almoço não terá peixe.

Droga..
Sexta, dia nacional do peixe.....comí frango, cacilda, a musica tava ótima.
Felipão disse…
Sensacional, Groo...

E gosto da forma com que coloca um led como enredo de uma história envolvendo uma banda ou um torneiro mecãnico...
Marcos Antonio disse…
excepcional groo,dois contos ligados pela musica do Led.
show!
Christian Camilo disse…
rapaz. post sensacional falando de 'oceans'
gostei bastante de como vc escreve!
se tiver um tempo veja o meu blog ou conheça meu trabalho
www.instiga.com

agora estou te seguindo!
abraço
chris
Bruno disse…
Me permita pegar sua expressão emprestada, Groo: PQP.
Muito bom o texto...nas duas partes. Parabéns.

O que aprendi nos tempos de marmita foi que nunca se pode chegar atrasado. Isso define seu humor para o resto da tarde...uhauaha.
Abraços.
MSTeam Crew disse…
Belíssimo texto! Adoro Led Zeppelin, e quando tinha banda tive esse deja-vu: tocavamos algo mas td parecia familiar.

Foi quando meu amigo guitarrista disse: "Po, não dá! Todos os riffs do caralho já foram inventados"