O diabo na sé

Se para alguém que vem de outro município a cidade de São Paulo já assusta imagine então...
Natan então perdeu-se com a altura dos prédios, que de tão altos arranhavam o céu fazendo-o pensar que Deus era ali bastante adorado com todas aquelas construções tentando chegar perto de sua morada.
E mais, ele não vira nem um que crescesse para dentro da terra e que pudesse se chamado de 'arranha-inferno'.
Constatou que aqui tudo é muito rápido. As pessoas nas ruas, os carros e até as informações parecem conter uma pressa infinita. Ele passa despercebido de todos que correm sem prestar atenção em nada.

O que há para se ver? Por onde começar?
Andando em passos lentos pela Rua Quinze de Novembro, Natan vê uma aglomeração em forma de roda que tem em seu centro uma dupla de artistas.
A platéia recém formada ria com as brincadeiras dos "cantadores de coco".
Chega então mais perto e põe-se a prestar atenção.

 Os dois artistas/cantadores são nordestinos que apoiados em seus pandeiros cantam rimas improvisadas sobre qualquer assunto que lhes ocorrer no momento, incluindo ai uma dose cavalar de esculhambação sobre a audiência que na maioria das vezes aceita tudo com muito bom humor.
"- Olhe Puéta, vamo cantá agora, mas nós num vai cantá de graça, que nem relógio trabalha de graça. E nós só vai pedir um Real de cada um, que não vai deixá ninguém mais pobre”.
"-É verdade Cantadô, e só quem for um corno é que vai embora por causa de um Real..." – e virando-se para Natan - "-O senhor ai tá indo pra onde, hein? Vá embora não”.
Todos riem menos Natan que fica vermelho, envergonhado, mas como a maioria das 'vitimas' destas brincadeiras não responde.
"-Se preocupe não cidadão, ser corno não é desvantagem não homem, podia ser pior, né Puéta?" "-E não é Cantadô. Ele além de ser corno podia ainda ser viado, ai não tinha jeito”.
Os dois artistas concordam balançando negativamente a cabeça enquanto mais risos ecoam:
"-Pois então vamo cantá, pra quem deu e pra quem não deu também, né?"
"- Deu o que????" - Pergunta afetando cara de assustado.
"-Dinheiro, homem, rapaz! Mas quem quiser dar outra coisa né? Esteja à vontade”.
Agora até Natan ri, e os dois começam a tocar os pandeiros e cantar uma rima de embolada combinando que um irá dizer o nome de uma fruta e o outro dirá em resposta 'eu tava comendo ela'.
"-Tudo certo??”
 “-Certo!”.
"-Então lá vai”.
Natan observa tudo espantado, o ritmo ditado pelos pandeiros é frenético, as vozes carregadas do sotaque nordestino exalam um aroma de safadeza e a cantoria prossegue hipnotizando o publico.
"-Uma fruta de caju...”.
"-Eu tava comendo ela”.
"-Uma fruta de abacate...”.
"-Eu tava comendo ela”.
"-Uma fruta de caqui...”.
"-Eu tava comendo ela”.
"-Uma fruta de jaca...”.
"-Eu tava comendo ela”.
"-Eu vi sua irmã pelada...”.
"-Eu tava comendo... êêêêêhhhh! Isso não seu pilantra..."
A cantoria para e muitos risos explodem no ar.
"-Eu? Pilantra? Eu sô é Cantadô!”.
“-É Cantadô? Mas já vem com putaria...”
 “-Putaria não sinhô!”
 “-Vem falar de minha irmã, vá falar de sua família, aquela mundiça”.
"-De minha família também não, oxe, falo então desse cidadão aqui”. - e aponta o pandeiro para Natan, que neste momento para de rir.
"-Mas ele de novo?”
 “-É... É gente boa, gente fina e educada, e ainda vai me dar um Real”.
Mesmo tendo chegado a pouco nesta terra, entende que 'Real' é a moeda corrente e num passe de magia - ou ato de bruxaria - enfiando a mão no bolso, tira uma nota e põe no pandeiro do artista que agradeceu.
"-Visse Puéta, esse cidadão aqui com cara de bode...”.
"-Corno?”
 “-Corno! Mas me deu um Real não vai lhe fazê falta”. - e virando-se para Natan - "-Vai?”.
Este confirma com um gesto negativo de cabeça e o artista então devolve:
“-Então me dê outro ai, que é pr'eu dar pro Puéta ali, meu parceiro”.

Os risos tomam conta de novo da cena e Natan vê uma chance de ir embora e deixar de ser motivo de riso, afinal chegou neste lugar a pouco e já foi transformado em palhaço.
Por precaução nem olha para traz enquanto os pandeiros recomeçam a batucada.
Ele sobe a Rua Quinze de Novembro em direção a Praça da Sé pensando que ele até pode ter vindo do inferno, mas chegou num lugar quase tão caótico.

Comentários

Anônimo disse…
Vou dar uma de repentista nordestino com um amigo baiano( baiano é nordestino ? Eles dizem que não), o Odebrécha.

' - Temê pede confiança...
- ... Enquanto a Dirma teima que é golpe !
- Má existe golpe com direito de defesa, Odebrécha ?
- a inguinorança do povo oferece essa brecha...
- ... amigo Emicê, o povo não é bobo...
- ... mas assiste a bandeirantes, o sbt, a record e a rede globo !
- O povo, sem vingança, pede esperança...
- ... perigoso pedido e, além de Pandora e sua caixa, requer perseverança, amigo Emicê
- Ora, rapaz, nesta dou razão a vosmecê...
- Precisa o povo é da bonança com muita abastança !
- E já estão os vermelhos tramando um ardil...
- Aí, sim, teremos primeiro golpe !
- termino, dizendo: Ponte que partiu... '

Tá meio cariocado o troço... HA !


do Emicê e do parceiro, ainda encarcerado, Odebrécha.