Um conto eleitoral

Se um funcionário publico candidatar-se a algum cargo publico, vereador que seja, tem direito a quatro meses de licença para cuidar da campanha. E se não me engano é até remunerada!
E ao fim do período basta que ele tenha apenas um voto para que se caracterize a candidatura e seja legitimada a licença.
Parece mordomia, não? Mas é bom para que o postulante a cargo eletivo não faça a campanha usando a repartição onde trabalha como comitê. Embora alguns façam uso de seu emprego publico mesmo numa promiscuidade que beira ao nojento.
E o pior é que estes na maioria das vezes acabam se elegendo de fato, só que aqui não é o caso.
Diego, que é funcionário publico correto e que há anos tenta uma licença premio ou médica para realizar um velho sonho sem conseguir: Trocar de sexo.
É... Trocar de sexo sim, por quê? Tem algum tipo de preconceito ou homofobia? Besteira.
Sinta só a surrealidade da situação em que Diego se meteu.
Há anos tentava – em vão - conseguir uma licença da repartição para realizar a operação e nada. Por questões óbvias e intimas não revelava nem sob tortura o motivo de requerer a tal licença. Talvez por isto lhe fosse sempre negada.
Apenas um amigo, Oliveira, sabia das reais intenções de Diego e conhecendo esta prerrogativa do serviço publico o alertou.
- Mas não quero me eleger a nada! Apenas trocar de sexo...
- E quem disse que precisa se eleger? Nem campanha é preciso fazer, e pelos cálculos dará tempo suficiente para que você vote em si mesmo e fazer assim o fechamento do ciclo. Não há erros. Tudo muito seguro e quando voltar da campanha seu emprego ainda vai estar lá...
-Se é assim! Vamos preparar a candidatura!
Vão os dois a cata de um partido que o quisesse como candidato a vereança.
Filiam-se os dois e num movimento um tanto escuso do partido lhe é cobrada uma taxa para que ele seja lançado como candidato. Taxa de homologação dizem.
Com a primeira parte do plano já realizada, agora é ir ao chefe de sua repartição e requerer a licença.
De posse da documentação necessária a confabulação com o chefe é rápida.
Já no serviço publico há muitos anos e sempre na função de chefe, Sr.Yoshiro nem precisou ouvir a arenga de Diego até o fim. Ficou convencido de que seu subordinado queria mesmo tomar um acento na câmara dos comuns da cidade para legislar. Não em causa própria como sublinhava a todo o momento, mas pelo bem da comunidade. Só não dizia de qual.
E para dar mais verossimilhança, Diego até lhe falou do tema de sua campanha: “É tudo uma questão de manter a mente aberta, a espinha ereta e o coração tranqüilo!”.
O velho japonês detectou ali uma futura ação do agora candidato em prol da saúde, ou da terceira idade a qual ele mesmo já se aproximava.
Entusiasmou-se e não só concedeu a licença como ainda prometeu votar em Diego.
Segunda parte do plano também concluída. Agora bastavam alguns pormenores como fazer algum material de campanha. Só para dar, mais sustentação a farsa e depois ficar livre para correr atrás da cirurgia.
O material de campanha foi confeccionado em poucas semanas. Afinal eram apenas duas camisetas; um outdoor que foi instalado no alto da laje de sua casa e cem panfletos também conhecidos como ‘santinhos’. Todos com a frase que ele lapidara ao falar com o chefe.
Agora todos os trabalhos da campanha estavam concluídos, faltando apenas o voto, claro, que só seria possível no dia da eleição e mesmo que se o Sr. Yoshiro não cumprisse sua promessa ele garantiria.
Tudo ok! Agora era pesquisar na internet onde fazer a cirurgia, grana não era problema já que vivia como um monge trapista, guardando tudo o que podia para o dia em que pudesse realizar seu sonho.
Pesquisou muito e descobriu que as melhores clinicas para este tipo de operação estavam surpreendentemente em Cuba e que ao contrario do que poderia parecer não eram absurdamente caras.
Mais alguns dias para regularizar o passaporte; entrar em contato com a clinica escolhida; deixar tudo certo; comprar as passagens; embarcar e pronto.
Foram três meses entre a chegada a Cuba, a cirurgia, a recuperação e o retorno ao Brasil. Tempo este que o fez perder o dia da eleição e muito provavelmente o emprego já que se ele não pode votar em si e apostava que ninguém mais teria feito isto.
Desembarcou três dias depois da eleição. De peruca loira e longa, e corpo extremamente feminino. A operação foi completa. Mudou-se o sexo, a fisionomia toda. Era agora uma perfeita mulher. Diana.
Outra pessoa? Outra vida então!
Que se dane o velho emprego. Tentaria uma vaga de secretária numa multinacional qualquer.
Cartão de visitas para isto, agora tinha!
De passagem por uma banca de jornal deparou-se com a lista dos vereadores eleitos e para sua surpresa seu nome, ou melhor, antigo nome, era o terceiro mais votado de toda a cidade.
“-Que bom!” – Pensou, afinal também corria o risco de não ser aceito no antigo emprego com a fachada nova como de fato aconteceu.
Mas agora tinha novo emprego garantido e que emprego! Vereador! E o terceiro mais votado.
Telefonou para o cartório eleitoral onde havia registrado sua candidatura e foi informado que a diplomação e a posse seriam apenas no primeiro dia do ano que se aproximava, era questão apenas de aguardar.
No dia da posse apareceu a caráter.
Vestido longo, azul, branco e vermelho com uma abertura estratégica ao lado da coxa esquerda. Meias finas, pretas. Batom vermelho. Cabelo longo agora natural. De parar o comércio.
Ao ser chamado ao púlpito da Câmara de vereadores para ser diplomado e empossado um silencio gelado e constrangedor se abateu sobre a casa.
O momento, como que congelado seria trágico, se não fosse cômico...
O presidente da casa diz ao microfone: “-Mas você nem se parece com o sujeito que fez a campanha mais limpa de toda a eleição”. E continuou: “-E com a frase mais memorável também. Não sabemos o que aconteceu, mas só poderemos dar posse a este senhor que esta aqui no santinho e no outdoor em cima de casa onde ele morava e por mais gostosa... Digo... Err... Melhor não dizer nada. Só não podemos lhe dar posse...”.
Diego/Diana respirou fundo, ou melhor, suspirou e sob olhares incrédulos e curiosos deixou a Câmara de Vereadores pensando: “É tudo uma questão de manter, a mente aberta, a espinha ereta e o coração tranqüilo...”.

Comentários

Felipão disse…
hauhauahauhau

mas a lei existe mesmo, Ron??

Pode se candidatar e ficar todo esse tempo fora???

Esse mundo tá perdido mesmo...

E não é difícil de acreditar...

Já escutei cada uma hj...

Teve candidato que fez campanha com o número errado...
Anônimo disse…
Uma ex colega de trabalho, onde eu recentemente trabalhei, é vereadora!!! Isso mesmo, uma servente era vereadora. Nada ilógico pois aquele bairro era de periferia, e nada mais popular que a servente da escola!!!

Bem... um dia fui falar com ela e ela estava lavando o pátio. Reparei que toda semana ela fazia isso. Justamente na época, a Cidade de Águas de Lindóia estava com problemas de abastecimento. Falei com ela, pois todos os alunos perguntavam: "Mas não tem uma campanha na cidade dizendo para a gente economizar água!". Pois é, a então Vereadora deixou todos os funcionários da escola numa tremenda saia justa!!!

Ela saiu de licença para se candidatar - licença esta de 4 meses e remunerada - e não se elegeu!!!

Bem esse tipo de coisa é bem provável de se acontecer!!!

Alias, Groo... estou montando um novo Blog... a evolução do Pole Position, no Blogspot...

Ele ainda está em construção, mas se você quiser dar uma olhada:

http://blogpoleposition.blogspot.com

até mais...
Teté M. Jorge disse…
Quanto "rodeio", né mesmo, Ron!

Conto interessante...

Beijos.
Marcos Antonio disse…
é mto fácil entrar na mamata,fazer o que?ótimo conto,Ron.Graças a você eu estou ouvindo bastante Walter Franco achei muito legal...
Anônimo disse…
....e Didi Abu escreve: E nao me venha dizer que a taxa de homologaçao é para burlar isto. Voce cometerá dois erros. Um, nao saber a lei. 2, nao saber a "lei " deles...essa turma, dos políticos, nao é fácil...Exigem muita grana ! E aí o terceiro erro. O cara nao é rico porque é barnabé....Teu texto tá furado...
Anônimo disse…
....e o SR-71, pergunta : E o T.R.E. ? Por que não uma discussão sobre a obrigatoriedade do voto, Ron Groo ? É a favor ou contra ela ?
Magno Santos disse…
É um conto não é Groo?
Uma licensa poética - para os confrontos com a legislação em curso -, um pouco extensa mas criativa.

Abs
Daniel Médici disse…
Não desconfio da legislação quanto a eleição ou ao funcionalismo público. Agora, todos sabem que a melhor operação de troca de sexo é realizada na Tailândia...
Unknown disse…
Nota 10 !!!

Ótimo conto muito legal!


ABS.
Ron Groo disse…
É Felipão, parece que pode-se sim pegar esta licença ai que eu falei. Não sei direito seu nome e nem sei como tem que fazer para requerer. E tem um comentário aí em baixo que explica melhor.

Cristiano, olhei o blog, tá azulão mas vai ficar legal. Avisa seus amigos que minha paciencia acabou.

Brigado Teca

Legal Marcão, o Walter é legal, assim como o Sérgio Sampaio, o Itamar Assumpção... Vai por mim. Vale muito a pena.

É isto ai Magno, é apenas um conto. Obrigado por ter vindo. Quanto a extenção dele. Bem... Não dá para ficar contando o espaço para se contar uma história, não é?
Volte sempre.

Bom Daniel, eu vou ficar devendo esta ai. Não tenho a menor idéia de onde seja melhor fazer a operação. Mandei Cuba porque dizem que lá a medícina é muito boa.

Brigado Joel.

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