Um trecho de "A cidade depois do viaduto"

Estou um tanto sem tempo para escrever algo realmente novo e precisava de um mote para colocar aqui um post de divulgação para a nova edição da Rádio Onboard, em que Felipe Maciel e eu traçamos uma panorâmica de tudo que aconteceu de bom ou nem tanto, na primeira corrida noturna da F1: O GP de Cingapura.

E desta feita, o convidado pra lá de especial foi o jornalista Ivan Capelli, que nos honrou com sua presença e seu talento. Sua simpatia e prestatividade. Ao Capelli meu muito obrigado.

Mas nem só por isto eu gostaria de postar. Como disse ando sem tempo para escrever algo novo. O que não implica em dizer que não vou por aqui algo que não seja inédito.
O texto que se segue é um trecho de um de meus contos - que em minha pretensão será um livro - chamado "A cidade depois do viaduto" que dá uma visão geral do que era ser adolescente na cidade em que moro nos meados dos anos oitenta.
Com sonhos, fatos históricos reais e muita molecagem.
Este trecho é um de meus preferidos, espero que gostem. Ele vai com o subtítulo que dei ao capítulo.
Espero que gostem e se caso realmente gostarem talvez eu me anime a por outras partes aqui.
Desculpem pela falta de postagens novas e pela demora em responder os comentários. Tudo voltará ao normal.
Brigado! E espero que divirtam-se! Comentários (bons, maus, péssimos) são sempre bem vindos, desde que com educação!
O sonho é popular.
O sonho é popular/eu li isto em algum lugar/se não me engano é Ferreira Gullar falando da arquitetura de um Oscar.
Engenheiros do Hawaii in Varias Variáveis.

Chegaram numa noite na churrascaria ‘O espetão’ que ainda hoje é das mais freqüentadas e importantes da região e começaram a montar o equipamento. A mesa de som de dezesseis canais da marca ‘Korg’. Reinaldo sentado no banquinho da bateria ‘Pearl’ de cor preta com um set de pratos de cobre todos da serie ‘K’ da ‘Zildjan’ e ia testando a microfonação. Afinando sossegadamente o instrumento.
Ivan com uma guitarra ‘Fender stratocaster’ branca, igualzinha a do Jimi Hendrix, plugava na mesa de som e testava o retorno de palco.
Sandro com um baixo ‘Fender jazz-bass’ negro dedilhava escalas despreocupadas.
Ciro fazia melodias no teclado ‘Yamaha’ e testava o som do microfone:
-Som, um, dois... Som!
As pessoas sentadas em suas mesas comiam e conversavam sem nem notar a presença da banda no pequeno palco que fica encostado na parede lateral da churrascaria. Estratégico, todos podiam ver o palco de qualquer ponto da casa. O vai e vem dos garçons com os cortes de carne; as bebidas; os doces. O passeio do maitre entre as mesas sorrindo profissionalmente:
-Tudo bem senhores, foram bem atendidos, tem algum corte em especial que vocês gostariam?
De repente Sandro tocava um riff de baixo que Reinaldo acompanhava com uma batida reta e continua. A guitarra gemia uns acordes esparsos e elegantes e a voz do Ciro entrava poderosa.
"-É saudade então e mais uma vez, de você fiz o desenho mais perfeito que se fez...
Nesta hora os que comiam e bebiam pararam e olharam para o palco e a letra continuava.
... os traços copiei do que não aconteceu, as cores escolhi entre as tintas que inventei. Misturei com as promessas que nós dois nunca fizemos de um dia sermos três...
Agora o maitre também parou para olhar e distraidamente deixou a mão sobre o ombro de um cliente que ele cumprimentava naquele instante.
...trabalhei você em luz e sombra! – E aqui a voz do Ciro se tornava quase um sussurro, o que fez com que os clientes apurassem os ouvidos e pedissem para que os garçons também parassem de se movimentar e fazer barulho. – E era sempre não foi por mal, eu juro que nunca quis deixar você tão triste. Sempre às mesmas desculpas e desculpas nem sempre são sinceras. Quase nunca são".
Agora até os garçons prestavam atenção à letra da musica, alguns paravam de cortar a carne, outros iam cortando sem olhar e fazendo pilhas nos pratos dos clientes que não reclamavam, porque também prestavam atenção no palco. A voz do Ciro voltava ao tom do inicio, só que mais raivoso.
"-Preparei a minha tela com pedaços de lençol que não chegamos a sujar. A armação fiz com madeira da janela do teu quarto; do portão da tua casa fiz palheta e cavalete. E com as lagrimas que não ficaram com você destilei óleo de linhaça e da tua cama arranquei pedaços que deram em estiletes de tamanhos diferentes e fiz então pinceis com teus cabelos..."
Então até os churrasqueiros saíram de seus postos para ver o que estava acontecendo e deram de cara com um salão calado, em êxtase com a melodia e a letra que jorrava das caixas de som espalhadas pelos quatro cantos da casa. Agora a letra era cantada quase os gritos de forma colérica.
"-Fiz carvão com o batom que roubei de você e com ele marquei dois pontos de fuga e rabisquei meu horizonte. "
As recepcionistas da churrascaria derramavam algumas lagrimas pelos cantos dos olhos e já não abriam mais as portas. Era como se a letra falasse delas ou, querendo que aquele desabafo fosse para elas.
“-E era sempre! Não foi por mal. Eu juro que não foi por mal eu não queria machucar você prometo que isto nunca vai acontecer. Mais uma vez, era sempre e sempre o mesmo novamente. A mesma traição. Sinto muito ela não mora mais aqui.”.
Ao ouvir esta ultima frase o somelier que indicava algum vinho de boa safra a alguém encheu a taça e num ato continuo bebeu numa golada só todo o conteúdo dela.
A musica permanecia quase da mesma forma que começara se tornando assim apenas um pano de fundo para a letra confessional ser cantada.
"-Mas então porque eu finjo que acredito no que invento nada disto aconteceu assim, não foi deste jeito. Ninguém sofreu, e é só você que me provoca esta saudade vazia tentando pintar estas flores com o nome de amor perfeito, e não te esqueças de mim”. (Acrilic on canvas. Legião Urbana do disco Dois).
Tocavam de novo a introdução e a musica acabava. Aos poucos todos iam voltando ao normal de suas funções, os garçons servindo; os clientes comendo; o maitre distribuindo atenção; as recepcionistas enxugavam as lagrimas e voltavam a receber com sorrisos. Mas todos ficavam com a sensação de que tinham presenciado algo especial, que dificilmente teriam a chance de ver de novo; O nascimento da maior banda de rock do país!
Pena que o ultimo verso da letra diz bem. ‘Nada disto aconteceu assim, não foi deste jeito’, mas era assim que sonhavam estrear.

Comentários

oliver disse…
Maravilha, Ron.

Espetacular como sempre.
Marcos Antonio disse…
Groo, uma palavra:
ESPETACULAR

queria ter o seu talento pra escrever contos,esse teu livro tem que sair e vou querer o meu!
Felipão disse…
Vou com os dois...

ESPETACULAR!

Estou sem tempo também, Groo

Que sacoooooo
Teté M. Jorge disse…
Grande Ron!

Ah... esses sonhos não realizados...

Beijos.
Caro Ron Groo:

Lindo o texto, por mim pode continuar a nos presentear com essas maravilhas.
URBANA LEGIO OMNIA VINCI PARA SEMPRE, COMO ADORO ESSES CARAS !!!
oliver disse…
GRANDE Ron.

Tô be continuado ???
Felipão disse…
ROOOOOOOOOOON

Socorro

Eu mudei o link do meu blog:

http://blogsportbrasil.blogspot.com/

Será que vc poderia trocá-lo na sua lista de links???

Desculpe o incômodo

Obrigado

Felipe
Ron Groo disse…
Brigado Oliver, e sim, você está muito bem continuado.

Marcão, eu é que queria saber escrever poesia como você. Brigado.

Felipão, a correria acaba... Já arrumei o link tá, e já divulguei.

É Teca, é verdade...

Tá certo Ribeiro, brigado e como diria o próprio Russo,força sempre!
Anônimo disse…
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