Chico Buarque: Sem motivo, apenas porque quero

Por trás daqueles olhos de cor indefinida – sua irmã diz que tem cor de ardósia – Chico Buarque de Holanda é um dos maiores poetas da língua portuguesa. Tudo bem, há quem torça o nariz e entre os mais jovens é até normal.
Afinal parece que os jovens de hoje nasceram com problemas crônicos de audição.
Ou ainda pior! Não sabem e não conseguem interpretar os textos.
Qualquer que seja forma é fácil mais dizer que não gosta de Chico. E menos honesto.

Suas obras são até matéria para vestibular, sim, algumas são complexas e porque não dizer difíceis, mas, pelo amor de Deus... Melhor cem letras difíceis dele do que uma fácil do NXZERO, por exemplo...

Os versos podem não ser tão perfeitos como os de Vinicius; Quintana ou Drummond, mas tem tanta qualidade quanto, já que chegaram ao ouvido e ao coração de mais gente. Afinal em vez de vir em livros, às vezes maçudos volumes numa terra onde a cultura da leitura ainda hoje é pequena, vinham na forma de marchas, sambas e afins em discos de no máximo quarenta minutos totais. Quando apareceu no cenário nacional, rivalizava com Caetano em um programa de TV chamado Esta noite se improvisa, onde cantava trechos de músicas que deveriam conter uma palavra definida pela produção.
Chico quando não lembrava ou mesmo não sabia inventava na hora a canção, com autor e tudo. E por muitas vezes enganou o público e até os jurados!

Ganhou um festival da canção na Record com “A banda”, porém, - diferente de Caetano que por muito tempo foi lembrado só por “Alegria, alegria” – não ficou estigmatizado pela canção.
“A banda” tem versos simples, nada do outro mundo, mas o que viria depois traria Chico a um patamar muito difícil de ser alcançado.

Do mesmo disco, “Olé olá” parece falar apenas de samba, mas o período era negro e numa sacada genial a palavra ‘samba’ toma emprestado o sentido de ‘liberdade’:

Não chore ainda não, que eu tenho a impressão
Que o samba vem aí
É um samba tão imenso que eu às vezes penso
Que o próprio tempo vai parar pra ouvir
Luar, espere um pouco, que é pra o meu samba poder chegar
Eu sei que o violão está fraco, está rouco
Mas a minha voz não cansou de chamar.


Mas não era só politica, também tinham as canções simples, nem por isto menos instigantes.
Brinca com a própria obra em “Essa moça tá diferente”:

Essa moça é a tal da janela
Que eu me cansei de cantar
E agora está só na dela
Botando só pra quebrar

Fazendo alusão a tal moça feia que se ‘debruçou na janela pensando que a banda tocava pra ela’ de “A Banda”.

Outros versos memoraveis estão na social e antológica “Pivete” que num certo sentido até homeageia um certo piloto campeão mundial de F1 (sempre da pra por F1 nos textos, hehe).
A canção conta de um moleque de rua – como tantos hoje ainda - e suas aventuras e desventuras, aqui um “inocente” furto de automóveis:

Arromba uma porta
Faz ligação direta
Engata uma primeira
E atéDobra a Carioca, olerê
Desce a Frei Caneca, olará
Se manda pra Tijuca
Na contramão
Dança pára-lama
Já era pára-choque
Agora ele se chama
Emersão


Em versões mais recentes, em seus shows, Chico troca Emersão por Ayrtão...
Chico consegue como poucos escrever sob a ótica feminina. “O meu guri”; “Tatuagem”; “Bastidores” e a vingativa “Olhos nos olhos”:

Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci

Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando

Me pego cantando, sem mais, nem por quê
Tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você.


Diga se este último verso não doi mais aos ouvidos de um homem até que um chute no saco?

Também escreveu (boas) peças de teatro e romances (bem mais ou menos).
“Homenagem ao malandro", da peça A ópera do Malandro.
Ainda atual e muito pertinente já que a malandragem de hoje é outra, mas os malandros ainda se parecem...

Agora já não é normal, o que dá de malandroregular profissional
malandro com o aparato de malandro oficial
malandro candidato a malandro federal
malandro com retrato na coluna social
malandro com contrato, com gravata e capital
que nunca se dá mal.
Mas o malandro para valer
não espalha
aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal
Dizem as más línguas que ele até trabalha
Mora lá longe chacoalha, no trem da central.

Convido a quem quiser, deixar aqui suas preferidas, e se não souber ou lembrar de nenhuma, ouça a canção que deixei no fim do texto, tente discordar do Chico, se for possivel.

Pode soar estranho já nossos ouvidos estão atolados com ‘babados’; ‘sangalos’; ‘emos’; funks e quetais.
Qualidade que é bom esta igual a malandragem da Lapa: Não existe mais!







Comentários

Anônimo disse…
Conheço pouco, ouço pouco, mas sempre gostei do que ouvi.

A ideia que tenho de Chico Buarque é de um cara que não canta maravilhosamente bem, mas exímio violonista e inteligentíssimo nas letras.
Marcos Antonio disse…
Chico é genial pr amim, quando ouvi Construção pela primeira vez, entrei em choque por se algo totalmente novo pra mim:

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

as rimas eram com palavras proparoxítonas, e soava com perfeição.Me apaixonei pela obra,ópera do Malandro é genial,e seus livros são mto baladados, e nãotão bons quanto se pensa. Mas Chico conseguiu transformar em música suas ótimas poesias.
Daniel Médici disse…
Putz, oportuníssimo um post sobre Chico. Essa semana assisti o filme baseado no livro dele, Budapeste.

Li o livro ainda meio imaturo (como se já não o fosse mais...). Budapeste não foi assim tão bem aceito quando lançado, mas vendo-o agora, transposto para a película, dá pra ver como é uma obra muito bem estruturada e que sabe discutir questões delicadas como autoria, alteridade e arte como poucas.

Não é samba nem poesia (e o Chico faz questão de dizer que é mais sambista que poeta), mas é a obra dele mais presente na minha cabeça, no momento.
Felipão disse…
Grande Groo. Chico é genial e vc tem toda razão em dizer que os mais novos tem problema de audição. Chico serve para ser admirado e estudado, como vc ressaltou. E essa é uma novidade pra mim... Não sabia que ele colocava, agora, Ayrtão nos shows...
Anselmo Coyote disse…
Beatriz

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

A interpretação desta música na voz de Milton Nascimento com piano de Cristóvão Bastos é só mais um dos vários ápices de sofisticação do Chico. Pode-se ouvir no link abaixo.

http://www.youtube.com/watch?v=ijslD3bfsbk
Anselmo Coyote disse…
Paratodos

O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Meu maestro soberano
Foi Antonio Brasileiro

Foi Antonio Brasileiro
Quem soprou esta toada
Que cobri de redondilhas
Pra seguir minha jornada
E com a vista enevoada
Ver o inferno e maravilhas...

Composição poética toda feita em versos cuja tonicidade recai sobre a última das sete sílabas poéticas, denominado Redondilha Maior. Quer ouvir tudo vendo fotos maravilhosas?

http://www.youtube.com/watch?v=u_M1DvZBL2c
Anselmo Coyote disse…
Letra e música: Chico Buarque
In: 1975 (primeira versão)

Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo pra mim

Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também que é preciso, pá
Navegar, navegar

Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim

Ouçam Chico cantando esta versão.
http://www.youtube.com/watch?v=hdvheuHhF2U

Ouçam essa outra versão "liberada" pelos Gorilas Fardados.
http://www.youtube.com/watch?v=PsJpeR2K-is

É interessante comparar as letras das versões.
Anselmo Coyote disse…
Groo,
Não me fale de Chico Buarque. Eu ficaria postando à noite toda até receber um bom dia.
Abs.
Anselmo Coyote disse…
Tamandaré
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque

Zé qualquer tava sem samba, sem dinheiro
Sem Maria sequer
Sem qualquer paradeiro
Quando encontrou um samba
Inútil e derradeiro
Numa inútil e derradeira
Velha nota de um cruzeiro

"Seu Marquês", "Seu" Almirante
Do semblante meio contrariado
Que fazes parado
No meio dessa nota de um cruzeiro rasgado
"Seu Marquês", "Seu" Almirante
Sei que antigamente era bem diferente
Desculpe a liberdade
E o samba sem maldade
Deste Zé qualquer
Perdão Marquês de Tamandaré
Perdão Marquês de Tamandaré

Pois é, Tamandaré
A maré não tá boa
Vai virar a canoa
E este mar não dá pé, Tamandaré
Cadê as batalhas
Cadê as medalhas
Cadê a nobreza
Cadê a marquesa, cadê
Não diga que o vento levou
Teu amor até

Pois é, Tamandaré
A maré não tá boa
Vai virar a canoa
E este mar não dá pé, Tamandaré
Meu marquês de papel
Cadê teu troféu
Cadê teu valor
Meu caro almirante
O tempo inconstante roubou

Zé qualquer tornou-se amigo do marquês
Solidário na dor
Que eu contei a vocês
Menos que queira ou mais que faça
É o fim do samba, é o fim da raça
Zé qualquer tá caducando
Desvalorizando
Como o tempo passa, passando
Virando fumaça, virando
Caindo em desgraça, caindo
Sumindo, saindo da praça
Passando, sumindo
Saindo da praça
Passando, sumindo

Kkkkkkkkkkkkkk!!!!!! Sem comentários. Quem viveu inflação e ditadura sabe.

Do álbum Chico em Cy (Quarteto em Cy interpretando Chico).
Maravilha.

Desculpem-me. Postei. Aliei-me ao adversário mais forte que eu. Essa é aregra, não?
Anselmo Coyote disse…
Bom Conselho
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque

Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança

Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade.

Je regrette!

Bom conselho, ouve-se.
Então, chega!
Anselmo Coyote disse…
Joana Francesa
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque

Tu ris, tu mens trop
Tu pleures, tu meurs trop
Tu as le tropique
Dans le sang et sur la peau
Geme de loucura e de torpor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Mata-me de rir
Fala-me de amor
Songes et mensonges
Sei de longe e sei de cor
Geme de prazer e de pavor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Vem molhar meu colo
Vou te consolar
Vem, mulato mole
Dançar dans mes bras
Vem, moleque me dizer
Onde é que está
Ton soleil, ta braise

Quem me enfeitiçou
O mar, marée, bateau
Tu as le parfum
De la cachaça e de suor
Geme de preguiça e de calor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Assistam isso (a música vem logo depois). É um primor só.

Juro que parei.
Gil disse…
Eita, eis um cantor que escolher as preferidas se transforma numa árdua missão, mas lá vai: tudo dos Saltimbancos (fácil, né?), Futuros Amantes, Eu te amo, Beatriz, Homenagem ao Malandro, Sem você, Carioca, Quem te viu quem te vê, Injuriado, João e Maria, e tantas outras! Salve Chico!Salve Groo!
Anônimo disse…
"Sou Ana do dique e das docas
Da compra, da venda, da troca das pernas
Dos braços, das bocas, do lixo, dos bichos, das fichas
Sou Ana das loucas
Até amanhã
Sou Ana, da cama
Da cana, fulana, sacana
Sou Ana de Amsterdam".

Alguma semelhança com aqueles nobres q frequentam agueles dois prédios lá em Brasília?
Saudações belgo-monarquistas
carlo paolucci
Marcelonso disse…
Mestre Groo,


Chico é genial,mas ainda acho que não tem reconhecimento que deveria.

abraço
Cezar Fittipaldi disse…
Groo....

Chico é chico. E eu gosto dos livros dele sim. muito.

abraços
Bruno disse…
Eu sou um novato no quesito 'Chico'. Tenho as preferidas: não sonho mais, construção, cotidiano...e por aí vai.
Muito legal o post. Abraços.
Anselmo Coyote disse…
Postei pacas... kkkkkkkkkkkk!!!!!
Zuei.
Anônimo disse…
Chico, vou te amar por toda a eternidade...Kátia