
Voltei trabalhar, e por coincidência pego o mesmo horário de ônibus do antigo emprego e como esperava, lá estava o Amaral com sua indefectível cara de Zé Pequeno ao volante do coletivo.
Segundo ele eu estava fazendo falta entre seus passageiros, neste momento claro, os outros reclamaram.
Muitos já eram velhos conhecidos, outros começaram a embarcar no ônibus depois que eu parei, mas Zé se encarregou de falar de mim para todos.
Com uma boa dose de exagero, claro!
Disse que eu retratava situações do dia a dia com um humor acido.
Uma senhora – das novas passageiras – ergueu a voz e perguntou se a história do Amaral correndo com o ônibus e parando de repente em um boteco para comer uma linguiça frita e assim poder tomar um remédio para gastrite era verdade.
-É sim, mas ele não correu não... E se me lembro bem ele comeu um pão com manteiga. Não foi Amaral?
-Foi, mas você escreveu que era lingüiça... Ai ficou assim mesmo, ninguém acredita que foi pão.
Zé se sentou e ligou o ônibus, fechou as portas e saiu. Não sem antes me convidar a sentar em um dos bancos de idoso que ficam próximos ao motorista. Disse que em minha reestréia não pagaria passagem, e começou a falar:
-Sabe Groo, algumas coisas não mudam nunca! Já outras...
-O que houve Amaral?
-Nada, nada... Vou te mostrar umas coisas novas que apareceram nesta linha...
-Mostra ai...
Antes de cruzarmos a primeira travessa do caminho um senhor negro, aparentando muito mais idade do que talvez tivesse, emparelha com o ônibus.
É um trecho lento, em que geralmente há muitos carros e um farol se encarrega de parar tudo de vez a cada dois ou três minutos.
-Tá vendo este ai correndo Groo?
-Tô...
-Todo dia é a mesma coisa, ele emparelha com o ônibus e se eu acelero, ele acelera e quando eu paro ele continua. Quando paro de vez no farol ele corre e fica olhando para trás como quem diz: Ahá não alcança mais!
-E você o que pensa?
-Eu dou esta alegria pra ele, pensa bem... Com esta cara de velho subnutrido que ele tem, estes cambitos finos ce acha que ele chega na frente em uma corrida com quem quer que seja?
-Sei lá...
-Eu acho que não, quanto mais com um ônibus...
Dou uma risadinha da lógica – ou da falta – de sua resposta e pergunto se ele o conhece.
Ele diz que não, mas o povo do busão já deu a ele um apelido, e quando eu pergunto qual ele diz pra galera dar um salve pro corredor que naquele momento vai passando pelo coletivo que para no farol.
E a turma toda atende em uníssono:
-Aeeeeee Zé Bolt!
O cara sorri satisfeito e eu olho para o Amaral intrigado:
-Zé Bolt?
-É uai... Corredor a pé famoso no momento quem é?
-É... Tá certo... Usain Bolt...
-Então... Como não sabemos o nome dele vai ficar Zé Bolt mesmo.
-E se ele estivesse dirigindo um carro, Amaral?
Zé nem começa a responder e é cortado por um dos passageiros:
-Na velocidade que ele vai é batata responder! – e enfiando a cabeça pela da janela – Ai ô Badoer!
Ao descer do busão ouço de muita gente: Seja vem vindo!
Finalmente me sinto vivo de novo...
Going home, running home
Down to gasoline alley where i started from
Going home, and i'm running home
Down to gasoline alley where i was born
Comentários
O problema (ou não) é que ele era daquele tipo de mendigo que não bate bem da cabeça. Então todos os dias, às 6:30, ele subia em um banco da praça e começava a cantar e fazer um show.
Cantava, acenava, dava piscadinha, apontava pra "câmera", dava tchau para as "fãs enlouquecidas", que só existiam na mente dele. Era um barato, todo mundo no ônibus também conhecia o mendigo popstar.
Essas histórias do cotidiano são muito legais.
E olha que eu nem li ainda...rsrsrs.
Daqui a pouco volto com um pitaco impertinente.
Valeu, Groo.
Eu já estava com saudades.
Abs.
Foi linguiça ou pão com manteiga?
Abs.
essa foi mto engraçada Groo e que bom que teremos mais histórias do busão. Abs
Abs.
PS.1. linguiça com gordura escorrendo e ovo colorido... eca. Páreo duro para o bago de boi.
PS.2. Deixe de ser porco, Groo.
Abs.
Então, hoje não vai rolar porque eu estou sem microfone já há algum tempo... no começo de outubro vou comprar um novo, aí a gente entra em contato e combina isso. Ah, e a honra de participar será minha! Não tenha dúvidas.
Obrigado pelo convite!
Abraço, cara
Isto me lembra uma bela frase:
Quero morrer como meu avô, dormindo, tranquilo, e não gritando e desesperado, como os 32 passageiros dele.
O busão recuperou um grande personagem.
E agora o Zé Pequeno ganhou um xará: o Zé Bolt hahahahahaha
Muito bom!
o texto ficou muito legal e me passou uma sensação de felicidade pelo retorno a rotina normal...
que bom que as notinhas voltaram...
Abraço
Felipe
muito bom.