Harvest moon

De pé, em baixo da janela de um sobrado, segurava o violão esperando alguma reação.
Não houve aplausos nem vaias e nem jogaram coisas neles.
Digo neles porque Anselmo não estava sozinho.
Junto dele estava Ron, parceiro nas reportagens malucas, segurando vassourinhas que usou à guisa de baquetas em uma pequena bateria muito usada para tocar jazz.
Tão pequena que parecia infantil... Naquela tarde, Coyote passou pelo hotel onde Ron morava em uma das transversais da Rua 45 com seu Studebacker. Ajudou a embarcar o kit de bateria e seguiram para fora do centro da cidade, para um bairro afastado onde todas as casas são – por força de contrato – iguais.

-Tem certeza de que é aqui? – pergunta Ron olhado para a janela da casa.
-Certeza, certeza eu não tenho... Mas o pior que pode acontecer é alguém xingar a gente.
-Ou jogar água; ou tomates; ou ovos; ou chamar a policia; ou sair atirando com uma espingarda; ou ainda...
-Já entendi... Pessimista.

Arrumam o pequeno kit da melhor forma possível levando em conta a irregularidade do terreno que é coberto de grama.
-Anselmo, cê sabe se tem cachorro?
-Não...
-Não sabe ou não tem?
-Não tenho certeza
-Não tem certeza de que não tem cachorro?
-É.
-Então tem a possibilidade de ter cachorro aqui?
-Ron... Relaxa... Se não tiver cachorro nesta casa, pensa bem... Deve ter em outra qualquer e como não tem cercas, muros ou grades separando os quintais, hora ou outra aparece um por aqui. Mas... Não sabia que você gostava tanto assim de cachorro.
-Não gosto.
-Então por que a preocupação?
-Tenho medo, pavor...
-Ah fica frio... Aqui os cachorros são bem cuidados... Não vão querer morder você não. Enjoados os bichos aqui.

Na duvida se era um elogio ou uma critica velada, Ron tratou de afinar os coros e azeitar os pedais de sua bateria. Retira do case as vassourinhas e testa o som.
Ao ar livre não poderia estar melhor... E nem pior.

Anselmo, trajando uma elegante roupa negra empunhava um violão Gibson, aparentemente do ano de 1928. Uma verdadeira raridade. Passara a tarde toda afinando o instrumento, não por grossura, mas por nervosismo.
De fato, tem aptidão e dom para as cordas e com isto afinar lhe é ato natural ao pegar o violão.

Ron faz a contagem...
-One, dois, three...
E a musica começa com os vocais de Anselmo:
-Come a litle bit closer/Hear what I have to say…



Ao fim, da janela à qual a serenata se destinava nenhum movimento, nem um acender de lâmpadas. Nada.
Das casas em volta sim.
-Não mora ninguém ai não... – diz uma senhora aparentando mais de cinquenta.
-Não? – pergunta Ron – Nem cachorro, né?
A mulher não responde.
-Anselmo... Tocamos à toa. Pensei que você soubesse onde morava a Dra. Remédios...
-Bem... Saber eu sei! Mas chegamos aqui não?.... Só não sei direito qual a casa.
-E porque escolheu esta em particular?
-Palpite.
-Ah tá...
-Mas não foi à toa não...
-Não?
-Não... Foi bom. Você saiu de casa, eu saí de casa e não fomos trabalhar... Esta senhora ai abriu sua janela, e sabe... Deve ter gostado. – e virando para a senhora da janela – A senhora gostou né?
-O que? – grita a velha com a mão em concha em torno da orelha.
-Tá explicado! É surda... – vaticina Ron.
Sob olhares silenciosos desmontam tudo, guardam no carro e se retiram. Ainda assim Anselmo tem um sorriso nos lábios ao dirigir de volta.

Na manhã seguinte, por sobre a mesa de Anselmo um pequeno envelope rosado e perfumado o esperava.
Dentro, em letra miúda um agradecimento pelo presente de aniversário tão sublime, assinado pela destinatária da serenata.
Anselmo mostra a Ron o envelope;
-Cara eu nem sabia que era aniversário da doutora... – se espanta Ron.
-E não era.
-Então?
-Era meu.
-Era seu? E ela sabia?
-Sabia...
-Agora que não entendi porcaria nenhuma.... O aniversário era seu, você dá o presente?
-É... O que tem?
-Ah! Nada... – diz cínico o repórter – E ela que nem morava onde estivemos tocando ainda assim ouviu? Como?
-Sei lá... Nem me preocupo com isto... Deixa eu curtir o momento. O que não tem explicação, explicado está.
-Tá certo... Feliz aniversário então, parceiro Anselmo Coyote... Atrasado, mas de coração.

Não vou entregar o dia, mas fica aqui minha pequena homenagem...

Comentários

Remédios a bela disse…
Parabéns Coyote. Nem Preciso dizer o quanto você é especial para mim. Happy Birthday to you...Muitas alegrias e bençãos em sua vida.
Groo, Adorei! Muito divertido.
Daniel Médici disse…
Homenagem em realismo fantástico em ré menor para violão e bateria.

(Estou ouvindo musica erudita demais ultimamente).
Marcelonso disse…
Groo,

Bacana a homenagem,lendo seu texto chegamos a ser transportados para a cena!
Anselmo é uma comédia!!!Parabéns ae velhinho!

abraço
Anselmo Coyote disse…
Wow... Groo,

Já ganhei tudo quanto é presente. Até um lombo recheado da minha avó. Juro por Deus que é verdade. Aquela véia é foda. Mas, voltando ao assunto, já ganhei de tudo e, no campo literário, ganhei livros.

Mas, um conto? Especialmente feito para mim, no qual sou personagem contracenando com pessoas que me são tão caras? Isso é gratificantemente inédito. Fiquei muito feliz e lisonjeado. Muito mesmo, de coração.

O que eu deveria dizer nestas horas ou nesta exata hora (aceito sugestões)? Não sei. Não mesmo.

Então, meu amigo, muitíssimo obrigado.

Abs.
Manu disse…
Ah, que legal isso!
Gostei do conto, legal da sua parte essa homenagem Groo!Ótimo mesmo!

Ah, parabéns Anselmo!^^ Felicidades!
Não conheço o Coyote, mas vai aqui o meu abraço, feliz aniversário.
Anselmo Coyote disse…
Obrigado pelas congratulations... rs, amigos (que eu conheço e que não conheço tb...rsrs).
Obrigado mesmo.
Abs.
Parabéns e de nada Coyote...(rs)

Quanto ao Groo..o de sempre...ótimo texto..rende uma ótima adaptação radiofônica...HAHAHAHA
VallGroo disse…
Bela homenagem...
Fica aqui meus parabéns também Anselmo...felicidade são "detalhes" que marcam a gente de coisas boas.
Seja mais que feliz sempre.
Beijos.