Dois personagens fantásticos

Ele estava dormindo em um banco de praça, ainda bêbado da farra da noite anterior e então chega um policial. -Hei dorminhoco, acorda!
-Hum... Agora não...
-Acorda rapaz. Vamos que banco de praça não é cama de pensão!
Aao tomar umas sacudidelas o homem finalmente desperta, encara o policial com cara de quem não gostou nada de ser acordado àquela hora da manhã.
-Teje preso! - diz o policial.
-Mas seu guarda... Eu não estou fazendo nada! - defende-se.
-Por isto mesmo, vai ser preso por vadiagem... Documentos!
Ao mexer nos bolsos à cata de algum documento que o identificasse, achou apenas um papel muito do amarfanhado.
O policial pegou o papel da mão do dorminhoco que continua a vasculhar os bolsos e lê:

“Quando o apito da fábrica de tecidos/Vem ferir os meus ouvidos/Eu me lembro de você/Mas você anda/Sem dúvida bem zangada/Ou está interessada/Em fingir que não me vê/Você que atende ao apito de uma chaminé de barro/Porque não atende ao grito/Tão aflito/Da buzina do meu carro”

-Mas... Isto é um samba do Noel Rosa! – diz o guarda sem entender nada.
-Isto! – e sorri – E eu sou o Noel Rosa.
Feliz por encontrar alguém tão ilustre àquela hora da manhã o guarda além de desistir de prender o boêmio, ainda saca de uma flautinha e termina a manhã acompanhando o violão de Noel em alguns sambas.

O mais curioso é que Noel era a encarnação dos sambas que compunha. Esperto, cheio de amores e boêmio. Só não gostava de ser chamado de “malandro”, preferia “rapaz folgado”.
Ah! E claro... Nunca teve carro para poder buzinar para as moças nas portas das fabricas...




Lalá foi até uma agência dos Correios e telégrafos enviar um telegrama. A moça que o atendeu ficou muito mal impressionada em ver aquela figura parada a sua frente ditando o telegrama com uma foz fina, quase esganiçada.
Logo após anotar o telegrama, ainda com o lápis na mão a atendente bateu uma mensagem em código Morse para a colega de trabalho que estava em outro balcão:

"O-lha que ra-paz ma-gro, fe-io e de voz fi-na!”
Sem pestanejar e nem perder a compostura, o homem magro, feio e de voz fina pegou o lápis da mão da mocinha e bateu de volta:
“Ma-gro, fe-io e ex-te-le-gra-fista.”

Lamartine Babo, foi uma espécie de multimídia dos primórdios: humorista, compositor de sambas, apresentador de programa de rádio.
É responsável por todos os hinos dos grandes clubes de futebol do Rio de Janeiro.
Caprichou em todos, mas se superou mesmo com o Hino do América, seu time do coração como atesta a própria letra.

“Hei de torcer, torcer, torcer/ Hei de torcer até morrer, morrer, morrer/ Pois a torcida americana é sempre assim/ A começar por mim/ A cor do coração é a cor do nosso pavilhão.”




Estas duas pequenas histórias não tem nenhum razão especial para estar aqui.
Estão apenas porque quero mesmo... Divirtan-se.

Comentários

Felipão disse…
Uau...

Fantástico...

E que fora a menina do telegrafo deu... hahahhahaha

Noel, genial...

Excelente, Ron
Unknown disse…
Como ninguém para fazer homenagens simples e deliciosas. Você lembra de alguns que são poucos que conhecem. Tua cabeça é um mar...
Beijo
Unknown disse…
O que posso dizer meu amigo!É fantástico, muito bom.

Parabéns.
Daniel Médici disse…
Não seria de todo ruim se o título do post fosse trocado para " Dois personagens realistas fantásticos".

Faria bastante sentido..!
Marcos Antonio disse…
realmente dois gênios, tanto Noel como Lamartine. Lamartine ficou mais popular por causa dos hinos, que ele fez com maestria cada um comuma característica peculiar...e o hino do américa com certeza é excepcional.
Relembrar cérebros tão célebres não precisa de razão especial alguma, sem razão é não relembrar gênios tão fantásticos.

Riqueza, teu nome é memória!

Abs. Groo, textos muito bons, fico feliz por existir pessoas como você num mundo tão sem memória ou identidade.
Anônimo disse…
Muito interessante...
É o tipo de coisa que você lê e provoca cócegas em seu cérebro.

-|T|-
Muito legal, Groo!
O Lamartine Bobo criou o hino do maior time do mundo, o Clube de Regatas do Flamengo.

Eu me amarro em hinos de time de futebol. O do América é bacana pra caramba.

P.S.: Vc inverteu na letra do hino ali em cima, Groo. O correto é "A cor do pavilhão é a cor do nosso coração"

Abração!
oliver disse…
Boa, Ron.

Realmente, se não fez o hino do colorado, foi um bom compositor.


hahahah
Ron Groo disse…
Pô Leandro, valeu! Quis fazer o post apenas com a memória das letras, mas no fim um errinho apenas acabou de bom tamanho.
Fica sua correção anotada, brigado.