Vento do Monte Fuji

O atual dono é André Nishimura, nissei, mas todos o chamam apenas de Naka, em alusão ao legendário piloto japonês que foi companheiro do Senna na Lótus.
Recebeu dos pais - Sr. Shinzo e Sra. Akeiko – a pastelaria na Rua Dr. Hamilton Prado em Franco da Rocha, São Paulo. Toda a fauna – e até a flora francorrochense, que os delicados também gostam de pastel – freqüenta a pastelaria que tem o sugestivo nome de “Vento do Monte Fuji” – dizem que é este o recheio do pastel - e ninguém nunca estranhou o humor peculiar do fundador da casa e nem os funcionários.
Quando começou a freqüentar a pastelaria seus pais já tinham dois: Alemão, um negro de dois metros de altura e mais de cem quilos e Violeta, uma anã que servia as mesas sempre na ponta dos pés.
Naka nunca pensou em expandir os negócios, afinal a pequena pastelaria é referencia na cidade. Também nunca fritou um pastel em sua vida.

Após a morte do pai, aos setenta e dois e tantos anos, André ficou responsável pelo estabelecimento.
Aportou à caixa registradora e pediu a sua mãe que ficasse em casa, ou fosse curtir os bailes da terceira idade tão comuns na região.
Dona Akeiko, que era dez anos mais nova que o marido adorou a idéia, agora todos os dias faz ioga, tai-chi-chuan, aulas de origami e longas partidas de War, aquele jogo de tabuleiro que simula uma guerra mundial. -Eu “quelo” é invadir os EUA! – dizia sempre a simpática senhora que não se furtava a mostrar o dedo a quem criticava seus gostos...

Nos primeiros dias após sua morte, todos sentiram falta do Sr. Shinzo e até hoje contam histórias dele passadas por lá. Com saudades, mas sem tristeza.
Como da vez em que uma menina, muito bonitinha - mas arrogante pacas - pediu um suco de laranja. Violeta anotou o pedido em um post it e colou no vidro em frente à cozinha onde Alemão prontamente espremeu o suco de quatro laranjas que serviu em um copo longo, com canudinho.
Ao receber o suco em sua mesinha, a bonitinha provou e foi logo reclamando que estava sem gelo.
Alemão apenas olhou a cena enquanto fritava mais alguns pedidos.
Violeta entrou atrás do balcão, onde se tornava invisível.
Sr. Shinzo, como cabe a um dono de estabelecimento, ouviu a queixa, e mesmo não gostando de como ela reclamou foi resolver a situação.
-Que acontece?
-Eu pedi um suco de laranja e veio sem gelo.
Sr. Shinzo então colocou um dedo dentro do suco e confirmou: -É... Tá sem gelo mesmo, né?
-Isso tá sem gelo... Foi o que eu disse...
-Deixa ver pedido... – e olha o post it – Aqui diz: Suco de “lalanja”. Nada de gelo.
-Mas como assim? Eu pedi suco de laranja! E veio sem gelo!
-Exato né? Aqui diz: suco “lalanja”. Nada de gelo... Tá certo pedido, né?
-Não, não tá. O suco tá sem gelo.
-Isto! Suco “lalanja”. Nada de gelo. Satisfação em servir, mais de vinte anos.. né?
-Japonês louco... – a arrogantezinha sai da pastelaria deixando sobre a mesa uma nota de cinco reais.
-Viu... Shinzo sempre atende bem... Tão bem que ela pagou cinco “leais” e suco só custava dois...

Depois de rirem um pouco com outras histórias mudaram o foco para André.
-Pô Naka! Teu pai era terrível... Ce é monótono.. – diz alguém.
-Cada um, cada um... – responde.
Então chega um amigo – Lucas - e faz seu pedido...
-Naka, seu pastel... Manda o Alemão fritar um de queijo com salame pra mim...
-O Alemão... Frita um queijo pro salame aqui...
-Salame? Eu?
-É... Carne velha com pintas brancas, muito sal e nenhuma vitamina...
-Japa viado... hehehe. Ce soube do Basilinho?
-Filho do Basílio? – perguntou Lua, um velho careca.
-É... Enfartou... – confirmou.
-Não diga... Quando? – Quis saber outro cliente.
-Ante ontem... À noite. Tá lá no “Juquinha” agora... Todo entubado.

“Juquinha” é o modo carinhoso ao qual se referem os da terra ao Complexo Hospitalar do Juqueri e ao ouvirem sobre o Basilinho, muito querido de todos, embora poucos ousassem admitir isto.

-Mas ele se cuidava... Fazia caminhada, tomava cerveja sem álcool.. – dizia Lucas enquanto pegava a bandeja com o pastel que Violeta lhe entregava com os braços esticados ao máximo.
Sentou-se rente ao balcão mesmo e já havia dado boas mordidas em seu pastel quando Naka finalmente resolveu se pronunciar.
-Tomara que fique bem logo o Basilinho...
-Boa japa – dizem quase todos – Tomara mesmo.
-Ele é um bom amigo e um grande freguês... Sempre pedia dois destes ai que o Lucas tá comendo... Sempre...

Lucas dá uma engasgada sob olhar de todos em volta que não seguram o riso...
Agora André já não é assim tão monótono... Está ficando terrível também.

Comentários

Tem gente que não sabe pedir e ainda briga quando o pedido é realmente aceito!(rs)

Bom conto Groo, deu até vontade de comer um pastel , mas não de vento e nem do monte Fuji, um delicioso pastel recheado de verdade.

abs.
Tohmé disse…
Porra, acho que vou à FDR só para tirar um barato do Japa e ver meu amigo Groo...
Groo, tentei postar uns 03 comentários no seu blog e não conseguia completar o envio, graças aos meus vastos conhecimentos em mexologia, inxiridologia e por ultimo porque o computador é meu e se desse algum problema de programação era só colocar a culpa na patroa, essa é a vantagem de compartilhar o computador de casa com alguém que entende menos que você, já dá para saber de antemão de quem é a culpa.....

Mas deu tudo certo e a patroa fica no aguardo para a proxima aventura nos intestinos do computador.

Nem vou comentar esse post seu, no ultimo que não consegui enviar reportava a passagem do Arnaud Rodrigues de forma trágica, não era seu amigo mas o conhecia pessoalmente. Posso garantir que era um dos mais criativos artistas vivos, sempre subaproveitado e explorado por terceiros. Homem de criatividade quase infinita, mas desligado do marketing pessoal serviu de escada par amuitos, inclusive o ssr Chico Anisio que soube como poucos aproveitar e se aproveitar do seu talento ímpar, que vá com deus.
Bom conto Groo, muito bom.
oliver disse…
Acho que alguém vai comer muito pastel gLátis.


hahahahahahaha


Boa, Ron.
Anônimo disse…
Ron, Bom Dia....

Legal o conto, me deu saudade do pastel da Mitiko, de uma pastelaria em minha cidade, no tempo em que eu era moleque.

valeu

abraços
edson Sibila
Marcelonso disse…
Groo,


Belo conto,fico lembrando daqueles pasteis na feira quando morava em Curitiba.

abraço
Hahahahhahahaha....

Esses pasteis de vento são uma beleza. Tem um aqui perto de casa que tem recheio de verdade, totalmente sem vento.
Anselmo Coyote disse…
Groo,
Quase bati um carro por culpa de um pastel, ou da minha pouca experiência com eles. Estava com pressa e com fome. Comprei um exemplar da iguaria e entrei no carro. Com a mão direita pus os óculos no rosto (ainda bem), liguei a bagaça, engrenei 1a marcha, soltei o freio de mão, dei seta com a mão do pastel e arranquei. Pus 2a troquei o pastel de mão e levei à boca, justo na hora de por 3a. Para comer rápido apertei o danado e lasquei uma dentada. O bafo quentíssimo veio direto de fuji embaçando os óculos já chegando ao sinal. Quase subo no DKW à minha frente. Se tivesse sem óculos teria queimado os dois olhos.
Abs.