A barbearia e a iniciação

Dando um tempo na F1 para mostrar um conto novo... Espero que gostem.

Hoje as barbearias não existem mais.
Pelo menos aquelas em que havia apenas um ou dois profissionais do corte chamados de barbeiros e que eram freqüentadas exclusivamente por homens.
Os dias de maior movimento eram os sábados pela manhã, quando os pais, que geralmente trabalhavam durante a semana aproveitavam para ir cortar os cabelos e – quem tinha – levar os filhos para fazer o mesmo.

A decoração era sempre a mesma: azulejo branco até a metade das paredes e uma faixa da mesma cerâmica em cor azul arrematando.
Sofás velhos, vermelhos e com alguns rasgos, um rádio sintonizado em alguma estação de noticias, uma mesinha com revistas e jornais, porque barbeiro que se preza lê muito jornal, ouve e ouve muito rádio que é para ter assunto para conversar com a freguesia enquanto faz seu trabalho. A barbearia é para os homens o equivalente ao salão de beleza para as mulheres.
Lá, além de dar um trato no visual, claro, também se põe os assuntos em dia, com o barbeiro e com os outros freqüentadores que por cortarem o cabelo quase sempre à mesma época acabam por se encontrar lá.
Apenas que as fofocas ali dão lugar aos assuntos “de homem” como o futebol, política e claro: mulheres.

Ali só não se fala da mulher de quem está dentro do estabelecimento naquele momento, o resto é liberado.
Comentários curtos ou longos e quase sempre indelicados, seguidos de algumas gargalhadas dão à tônica.
E a senha para que a conversa vá para este assunto é sempre a mesma: alguém se levanta do sofá vermelho e rasgado e vai até a mesinha com os jornais e revistas, fuça um pouco e acaba descobrindo uma revista masculina, geralmente a playboy entre as Veja, Istoé, 4rodas e umas revistas Manchete muito velhas e geralmente sem capa.
Então o sujeito olhava as fotos das madames despidas e dizia algo como: “-Ô beleza!”
Pronto... Estava dada a largada para se falar de mulheres....

O garoto que é o objeto desta crônica ia com o pai sempre, tinha onze anos e não entendia patavina das conversas “adultas”, mas ria assim mesmo e até repetia para os amigos da rua e até na escola.
-Mas eles falavam assim mesmo? Gostosa?
-É sim... Falavam deste jeito...
-Mas eles olhavam o que? Só a revista?
-Não... Olhavam também as moças que passavam na calçada... E tinha alguns que diziam: “-Esta eu pegava.”
-Assim mesmo? Pegava? Que nem a gente fala quando vai brigar na saída da escola?
-É... Deve ser...
-E você? Viu a revista?
-Eu até tentei, mas quando meu pai viu que eu ia pegar ele não deixou... Me deu uma revista da Mônica e colocou a outra em cima de um armário.
-Pô... Mó chato seu pai...

E assim o menino ia todo mês cortar o cabelo com o pai e na segunda feira levava as novidades e seus avanços em relação a conseguir ver ou não a revista.
Em um dos sábados chegou a folhear a tal revista, mas antes de chagar às páginas com as donas sem roupa, seu pai o colocou na cadeira para que cortasse o cabelo.
-Ah... Se tivesse mais um.. Mais um só na frente eu tinha visto... - pensou.

Mas eis que completou doze anos e, segundo seu pai, chegou à hora de ir cortar o cabelo sozinho, com afirmação de que estava crescendo e que já era digno de confiança para que saísse sozinho para resolver pequenos problemas...
Porém a única forma para que fosse sozinho cortar o cabelo era não indo aos sábados, porque seu pai ia invariavelmente neste dia.
-Vai na sexta então... Ai cê corta o cabelo da forma que quiser. Se não ficar bom, a gente volta lá juntos no sábado e arruma.
-Fechado!
Era a chance de ver a tal revista.

Na sexta acordou cedo, arrumou a cama, fez os deveres de casa e almoçou... Iria cortar o cabelo e de lá para a escola.
A mãe lhe deu o dinheiro e recomendou cuidado nas ruas, se despediu com um beijo e: “-Já está virando um homenzinho o meu bebê!”.
Pelo caminho até a barbearia nem respirava. Andava o mais depressa possível torcendo para que houvesse ao menos duas pessoas na sua frente, para que tivesse tempo de olha a revista até o fim, e se desse tempo... Olhar de novo.
Mas só havia um cliente na sua frente e já estava na cadeira.
Já entrou no estabelecimento dizendo ao oficial barbeiro que queria cortar o cabelo.
-E a barba? Já que está ficando um homem tem que fazer a barba... – brinca o barbeiro.
-Deixa pra próxima... Hoje eu tenho só o dinheiro do cabelo mesmo... – e sorri.
-Então senta ai... Vai lendo uma revista, terminando este aqui já corto o seu.
Tinha pouco tempo então antes de se sentar foi à pilha de revistas e procurou seu objeto de desejo.
E lá estava... Era como se brilhasse entre as outras revistas.
Fez um esforço para ler o nome da revista em inglês: Pplai bbóói... Plaibói.
Playboy! Lá estava ela... Tomou nas mãos e correu para o sofá vermelho e se colocou a folhear. Ávido, viu tudo... Deteve-se por algum tempo a mais nas paginas em que aparecia a mulher da capa...
E o melhor: ninguém nem tentou impedir que ele o fizesse.
Chegou sua vez, colocou a revista de volta à mesinha e sentou-se à cadeira.

Mais tarde na escola contou as novas aos amigos...
-E ai eu vi tudo...
-E tinha mesmo mulher pelada lá?
-Tinha, tinha...
-E o que você achou?
-Sinceramente... Não achei nada não... Aliás a mulher lá era até bem feia.
-É? Quem era?
-Ah... Eu não conheço, nunca tinha visto, mas tava escrito lá... Hortência, acho...
-E era feia mesmo? – quis saber um dos meninos. -Era... Era sim...
-Ah... Então não quero saber disto não... Deixa pra lá, da próxima vez cê olha umas revistas de carro e conta pra gente...

Comentários

renata disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse…
Groo,

Que falta de sorte,logo na primeira o garoto pega uma bucha dessa,garanto que ficou traumatizado!

abraço Marcelonso

PS-Minha irmã andou usando meu note...
Unknown disse…
acabou a inocência mesmo, viu que nem toda garota era "boa pra pegar"

e também com essa iniciação...
oliver disse…
Lembrei de uma que se deu no elevador, mas que poderia ter acontecido na barbearia.

Era época de Exposição Agropecuária em Esteio.

Uma turma entra no elevador conversando sobre mulher, claro, e, lá pelas tantas, um deles diz:

- Sabe o fulano ???

- Sei, o que tem ???

- Pois, é. A mulher do sujeito é tão feia, mas tão feia que ontem, na Expointer, quase cravaram a roseta nela.
Manu disse…
Ótimo texto Groo! ^^
Coitado da pobre criatura... Mas penso q poderia ser pior hehehehehe.

abs!
Caramba!!! é incrível como não importa aonde vc se encontre, certas situações acompanham o ser humano, ia quando criança todos os meses a barbearia com o meu pai e tinham as tais revistas, os jornais e as, quase improniunciáveis naquela época, PLLPLLPLLAY BOYS por lá..

Belo texto Groo vc capita bem as coisas com muita minuncia, já pensou em ser roteirista?

abs.