Julio sempre cortou o cabelo na mesma barbearia, tanto que nem se lembra da última vez que fez o serviço em outro estabelecimento.
Não escolheu o lugar pela excelência do corte ou pelo preço, que nem era tão barato assim, mas por um motivo curiosíssimo: o silêncio.
Fabio era o barbeiro – “-Cabeleireiro é o ca****!”, dizia.
Decidiu abrir a barbearia após se aposentar da metalúrgica, seu primeiro e único emprego desde os quatorze anos.
-Vai abrir um salão de beleza, pai? – lhe perguntou um dos filhos.
-Barbearia! Salão de beleza é o c****! – respondeu.
-E você sabe algo sobre cortar cabelo? – quis saber a esposa.
-Eu cortava chapa de aço, cabelo vai ser mole! É só uma questão de ferramenta.
-Mas e as químicas? Tinturas, apliques e outras coisas que as mulheres usam? – indagou a filha.
-Só homem vai cortar cabelo lá... Ou sapatão. – e deu o assunto por encerrado
Sempre fora assim, um homem de poucas palavras.
-Melhor calar do que falar merda! – era o que dizia quando não queria conversar.
Julio apreciava isto.
Quando se sentou pela primeira vez à cadeira de Fábio, ouviu a protocolar pergunta: “-Como vai ser?” e respondeu: “-Em silêncio.”
Gostou da resposta e caprichou no serviço.
Deste dia em diante, nunca mais Julio foi a outro lugar, e nunca demorou mais de um mês para voltar. E também não ouviu mais a pergunta protocolar.
Acabou por esquecer como se explicava o corte que gosta. Dizia que confiava no trabalho e pronto.
O barbeiro por sua vez, achava aquilo uma espécie de elogio.
Ele sentava e o outro cortava. Fábio então pegava o espelho, mostrava a parte de trás e recebia um aceno positivo de cabeça.
Era a deixa para que Julio pagasse o corte e fosse embora com um aperto de mãos e um sorriso.
E assim transcorreram-se os meses, os anos, as décadas... Já se contavam então duas. Vinte anos cortando o cabelo no mesmo lugar, da mesma forma.
Porém o tempo é implacável e a idade começa a cobrar seus tributos ao barbeiro.
Não treme e nem perdeu a força nas mãos, mas a memória, bem... Esta não é mais a mesma.
A teimosia era a mesma da juventude, e claro, teimava em ainda ser lacônico.
-Quem fala demais dá bom dia à cavalo. – dizia e completava – E corre o risco do bicho responder e iniciar uma conversa.
Recusava-se a ir ao médico. A família suspeitava dos primeiros sintomas de Alzheimer.
E nem assim ele parava de trabalhar: “-Um dia vai dar merda!” – disse a esposa.
-Quando der, eu paro. – respondeu.
Um dia, Julio entrou na barbearia e se sentou à cadeira.
Fábio lhe colocou a capa sobre a roupa, empunhou tesoura e pente. Parou atrás do cliente. Estático e mudo.
Julio estranhou sua demora em começar a cortar, mas também nada disse. E assim ficaram por pelo menos trinta minutos até que, pela primeira vez naqueles vinte anos, Fábio entabulou uma conversa.
-Julio, pode se levantar, por favor.
-Ué, mas por quê?
-Prometi a minha esposa que o dia que desse algum problema com um corte de cabelo, eu fecharia a barbearia. E eu não quero parar de trabalhar.
-E o que tenho eu com isto? Onde me encaixo?
-Sempre me diz que não se lembra mais como explicar o corte que quer, estou mentindo?
-Não...
Não escolheu o lugar pela excelência do corte ou pelo preço, que nem era tão barato assim, mas por um motivo curiosíssimo: o silêncio.
Fabio era o barbeiro – “-Cabeleireiro é o ca****!”, dizia.
Decidiu abrir a barbearia após se aposentar da metalúrgica, seu primeiro e único emprego desde os quatorze anos.
-Vai abrir um salão de beleza, pai? – lhe perguntou um dos filhos.
-Barbearia! Salão de beleza é o c****! – respondeu.
-E você sabe algo sobre cortar cabelo? – quis saber a esposa.
-Eu cortava chapa de aço, cabelo vai ser mole! É só uma questão de ferramenta.
-Mas e as químicas? Tinturas, apliques e outras coisas que as mulheres usam? – indagou a filha.
-Só homem vai cortar cabelo lá... Ou sapatão. – e deu o assunto por encerrado
Sempre fora assim, um homem de poucas palavras.
-Melhor calar do que falar merda! – era o que dizia quando não queria conversar.
Julio apreciava isto.
Quando se sentou pela primeira vez à cadeira de Fábio, ouviu a protocolar pergunta: “-Como vai ser?” e respondeu: “-Em silêncio.”
Gostou da resposta e caprichou no serviço.
Deste dia em diante, nunca mais Julio foi a outro lugar, e nunca demorou mais de um mês para voltar. E também não ouviu mais a pergunta protocolar.
Acabou por esquecer como se explicava o corte que gosta. Dizia que confiava no trabalho e pronto.
O barbeiro por sua vez, achava aquilo uma espécie de elogio.
Ele sentava e o outro cortava. Fábio então pegava o espelho, mostrava a parte de trás e recebia um aceno positivo de cabeça.
Era a deixa para que Julio pagasse o corte e fosse embora com um aperto de mãos e um sorriso.
E assim transcorreram-se os meses, os anos, as décadas... Já se contavam então duas. Vinte anos cortando o cabelo no mesmo lugar, da mesma forma.
Porém o tempo é implacável e a idade começa a cobrar seus tributos ao barbeiro.
Não treme e nem perdeu a força nas mãos, mas a memória, bem... Esta não é mais a mesma.
A teimosia era a mesma da juventude, e claro, teimava em ainda ser lacônico.
-Quem fala demais dá bom dia à cavalo. – dizia e completava – E corre o risco do bicho responder e iniciar uma conversa.
Recusava-se a ir ao médico. A família suspeitava dos primeiros sintomas de Alzheimer.
E nem assim ele parava de trabalhar: “-Um dia vai dar merda!” – disse a esposa.
-Quando der, eu paro. – respondeu.
Um dia, Julio entrou na barbearia e se sentou à cadeira.
Fábio lhe colocou a capa sobre a roupa, empunhou tesoura e pente. Parou atrás do cliente. Estático e mudo.
Julio estranhou sua demora em começar a cortar, mas também nada disse. E assim ficaram por pelo menos trinta minutos até que, pela primeira vez naqueles vinte anos, Fábio entabulou uma conversa.
-Julio, pode se levantar, por favor.
-Ué, mas por quê?
-Prometi a minha esposa que o dia que desse algum problema com um corte de cabelo, eu fecharia a barbearia. E eu não quero parar de trabalhar.
-E o que tenho eu com isto? Onde me encaixo?
-Sempre me diz que não se lembra mais como explicar o corte que quer, estou mentindo?
-Não...
-Pois é... Também não lembro mais como cortar seu cabelo, então é melhor nem arriscar.
Um muito obrigado ao amigo Anselmo Coyote, que leu antes e corrigiu idéias.
Comentários
O Rubs é meu amigo
O Rubs é meu colega
Eu vou fazer com ele
O que o cavalo
Faz com a égua.
Aff... eu, o Coyote de las Minas Generales, amigo de roncôio. Era só o que me faltava.
Abs.
Além do texto ser bom, me divirto com os comentários do Coyote...
abs a todos
Belo texto.
Abraços!
M.C.
Parabéns.
Go'rgias de Leontinos viveu mais de cem: ensinava retórica.
David Gilmour nasceu em 46 e não esqueceu.
Jimmy Page, em 44; Eric Clapton, em 45; Ian Anderson, em 47 e BB King, em 1925. Nenhum deles esqueceu.
Helena Meirelles morreu sem esquecer.
A felicidade e' uma atividade psíquica segundo a excelência.
Abs.
Podia cobrir, num dia, 7 léguas.
No meio da tropa, não cobria nenhuma égua:
Animal de fiança, era capado e rufião.
Carregava minha traia de comitiva, embornal e carote.
E atendia pelo garboso nome de Anselmo Coyote.
excelente texto... parabéns...
abs..