-Senhor Ecclestone?
-Sim Jones...
-É James, senhor.
-Pois não.
-Recebemos alguns pedidos para que não realizemos o Grand Prix do Bahrein deste ano.
-Pedidos vindos de onde? Do gerente do nosso banco? Corremos algum risco de perder dinheiro lá?
-Não senhor...
-Não foi do gerente ou não corremos riscos?
-Não foi do gerente senhor.
-Mas então corremos risco?
-Tecnicamente senhor.
-Explique melhor, Jhons...
-É James, senhor... Os pedidos vêm de grupos de defensores dos direitos humanos.
-Eles de novo?
-De novo?
-E o que alegam?
-A situação política. O povo ainda está sob jugo de governantes totalitários. Suas manifestações pedindo mais liberdade ainda são reprimidas com violência.
-Sério?
-Sim...
-Me lembra muito a situação da África do Sul nos anos de Apartheid... O governo de minoria branca descia a lenha na maioria negra... E ainda usava a F1 para tentar mostrar ao mundo que lá dentro tudo ia muito bem. Aquilo era odioso.
-Mas o senhor liderou as equipes e realizou a corrida lá!
-Sim, claro... Então porque eu iria deixar de correr no Bahrein?
-Mas e os direitos humanos? Vale passar por cima só por dinheiro?
-Direitos Humanos? Eu sou humano, tenho direito a ganhar o dinheiro! |
-O que, senhor?
-O povo barenita.
-Mas isto é louvável! Quer dizer então que se o povo do Bahrein pedir o senhor cancela a corrida?
-Pedir? Não... Mas se eles começarem a explodir algumas coisas...
-Ah! Quer dizer que o senhor tem medo então?
-Julius... Eu sou ganancioso, não burro.
-É James, senhor... James...
Comentários
essa é a vã filosofia do Tio Bernie...
abs...
Tio Bernie só quer a grana, é fato.
Nunca ligou pra ninguém, e não vai ser agora que irá mudar.
abs
Mas...
Sim, Tio Bernie é um herói. Não um herói qualquer, estereotipado, mas, ainda assim, um herói. Tio Bernie personifica um tipo de gente e, por isso, configura um modelo exemplar, uma prova viva de que um certo gênero de excelência é possível e ancançável para a turba menos talentosa. Tio Bernie, como tipo primordial que encarna um gênero humano, é um arquétipo que transcende a sua pessoa. É tão arquetípico quanto um Gnomo que sai à caça de ouro para entulhar ainda mais o seu pote. Aliás, não é curioso como ele se parece com um gnomo?
Um tipo primordial é uma espécie de chave mestra que abre uma infinidade de fechaduras. Ele pode ser abstraído da pessoa concreta, como Ebenezer Scrooge, por exemplo, para ser projetado em gente de têmpera semelhante.
No caso, o seu traço essencial não é a avareza, mas a 'ganância', a ambição, volúpia, numa palavra: "pleonexía", que significa, literalmente, "desejo de ter mais". Mais do quê? Mais de tudo: dinheiro, preferencialmente, mas, também, poder, sexo, pegar mulheres de 1,90 ms e coisas quejandas.
O "pleonético" é o tipo de gente que associa dinheiro, poder e prazer descomedidos. E daí? Daí nada. Ele é uma espécie selecionada neste ambiente em que o dinheiro abstrato é o valor máximo. Pouco importam os rótulos: seja sob o estandarte do Meio Crescente; da Cruz; da Estrela de Davi; da Estrela vermelha; da foice e do martelo ou de o sino de Wall Street, sempre há um tipo que alça a ganância à escala da perversão.
Tio Bernie é um herói para todos os pequenos ganaciosos que invejam a ganância condensada no gnomo.
Barrica também é herói. Não um herói estereotipado, como o Capitão América, mas um anti-herói. É tão santo quanto sua manifestação mexicana: o Grande Nacho. É tão contraditório em suas justificativas, quanto Chapolim Colorado. Mas é um herói que não ultrapassa o "métron" humano, "hýbris", e, por isso, é um herói que não invade a área dos deuses e não morre. Escolhi o Barrica porque ele é gente boa, como o Sábio cínico, e não morre. Resultados são supérfluos.
O problema de arquétipos é que eles vivem como personagens autônomas em todo mundo. É aquela história: depende de qual lobo se vai alimentar...
Sem dúvida, acho que lá nos primordios era amor pelo esporte, mas hoje é pela grana - que por sinal jamais será suficiente pra ele...
abs
- Pai, porquê o Juninho pode e eu não?
- Ele é homem.
- Mas numa democracia os direitos são iguais.
- São sim, mas os valores não.
- Valores das pessoas?
- Também.
- Como assim?
- O que uma faz, embora com o mesmo direito e a mesma intenção tem valorações diferentes e essa diferença provém da diferença das pessoas que fazem.
- Entendi em parte.
- Qual parte você não entendeu?
- A que diz da diferença das pessoas. Afinal, elas são ou não iguais numa democracia?
- Em gênero, não. Para começar, existe o feminino e o masculino.
- Ah não, pai. A democracia não diferencia um do outro.
- Não? Vejamos a relação de uma chave e uma fechadura. A chave, por seu formato fálico, representaria bem o masculino?
- Sim, nesta relação, sim.
- A fechadura, por ser uma fenda e por depender da chave para cumprir o seu papel de abrir e fechar, pode ser comparada ao feminino. Alguma objeção?
- Não, nenhuma.
- Uma chave que abre qualquer fechadura é, por isso mesmo, chamada de "chave mestra" e tem grande valor.
- Com certeza. E daí?
- Uma fechadura que se abre com qualquer chave tem menos valor ou não tem valor algum. Certo?
- Certo. Boa noite, pai.