A comitiva ia atravessando o planalto.
Dias e dias de uma viagem nas entranhas da região com um cortejo diferente. Ao invés de bois: ratos.
Mas nem eram só por serem de ratos o présito é que chamava a atenção, mais por serem também ratos os peões e condutores que lhe ditavam os destinos.
Ratos graúdos e graduados, representantes de uma classe de roedores que infelizmente se bastam.
A eles, ninguém controla. Até se tem a frágil ilusão, mas na realidade...
Eis que estes ratos seguiam pelo planalto a fora fazendo de suas ratices (sic) em sua algazarra velada e semi escondida.
Semi sim, porque todos os outros animais sabem o que fazem os ratos. Apenas lhes fazem vista grossa enquanto podem. Enquanto não é impossível que se ignore.
Então chegam a uma paragem inóspita.
Um lago formado e alimentado por águas vindas de uma queda d’água (e que senhora queda!) habitado por piranhas tão grandes quanto antigas.
Piranhas que se alvoroçam ao sentir o cheiro de algo que lhes possa parecer sinal de alimento.
Havia a possibilidade, e elas sabiam disto, de que um daqueles ratos lhe caísse às presas, coisa rara. Rato é bicho esperto e não cai em lago de piranha assim.
Na história, ao que parece, apenas um caso.
Os ratos, ao se depararem com a possibilidade pensaram: “-Como passar sem ficarmos todos nas presas destes bichos?”
A resposta simples, porém, não tão fácil veio dos mais velhos.
Daqueles que guiavam o bando já há muito tempo.
“-Mandamos um, o mais fraco ou que estiver mais arranhado para as piranhas e enquanto elas estiverem se deliciando com a presa, passamos os outros incólumes mesmo estando tão esfolados quanto...”
“Perfeito!” – pensaram os outros ratos.
Então mandaram o rato mais esfolado, com mais machucados aparentes às águas e as piranhas fizeram seu trabalho.
![]() |
Tão rato quanto os que o cassaram, foi o banquete para as piranhas |
A comitiva de ratos atravessou o lago alimentado pela queda d’água (e que senhora queda!) na esperança que o tempo, que é senhor e juiz de tudo, fizesse com que tanto as piranhas quanto os outros animais esquecessem sua ruidosa algazarra rumo à próxima parada, um lugar ermo chamado Pleito, onde mais ratos nascem e se criam...
Comentários
Disse tudo - boi de piranha. Sinto vergonha desses politicos, em todas as esferas diga-se.
abs
M.C.
o povo, este não entra em nada. Só no pleito.
Este processo se repete desde os hititas, hebreus, gregos e romanos. No dia do Yom Kippur dois bodes são capturados da comunidade e entregues ao sumo sacerdote, como sacrifício. Um dos bodes é normalmente sacrificado a Javeh em um rito de purificação pelo sangue derramado. O outro, destinado a Azazel, é colocado diante do Templo e o sumo sacerdote coloca as duas mãos sobre a cabeça do bode e confessa todos os pecados do povo, transferindo-os para a cabeça do bode. Em seguida, o bode é levado para o deserto até que morra de inanição.
Os gregos escolhiam o cidadão mãos feio da comunidade, adornavam-no com vestimentas de púrpura, colocavam-no para fora dos muros da cidade e perseguiam-no com pedradas até a fronteira, onde os inimigos o matavam.
É curioso como estes truques de livramento das culpas através dos ritos de purificação são, ao mesmo tempo, tão primitivos e tão atuais.
Mas nenhuma análise antropológica pode ser tão poderosa como um conto bem contado.
Este conto me lembrou "A mulher que comeu o amante" de Bernardo Élis.
Tudo isso é muito triste. Eu até confessei para uma velhinha, contista de 80 anos: - Esse Cachoeira é a ovelha negra da família Cascata...
M.C.