Casamento


A igreja esta muito bem decorada.
Simples, mas de muito bom gosto.
Os padrinhos muito bem vestidos. Uns ficaram bonitos, outros elegantes e alguns não tinham jeito mesmo.
Misturam-se todos, não havendo a tradicional separação entre os convidados do noivo e da noiva. Afinal ali todos eram amigos dos dois. Que cresceram todos juntos.
No canto esquerdo do templo uma banda que vai tocar durante a cerimônia afinava os instrumentos. Presente de um dos padrinhos disseram depois.
Às seis horas em ponto é dado inicio ao casamento.
Com o padre já a postos e os convidados todos de pé começam a entrar os padrinhos pelas portas laterais: os homens pela esquerda e as mulheres pela direita  juntando-se ao centro da nave e se encaminhando ao altar para ocupar seus lugares protocolares à direita do sacerdote.

Enquanto se encaminhavam a banda executava - note-se verbo usado – “Rocket Man” de Elton John e pouco antes da chegada do refrão escutou-se vindo de algum engraçadinho um sonoro: “-Toca Raul!” que gerou na mesma hora uma sonora vaia.
De trás de seu kit negro o baterista fez menção de jogar no individuo uma de suas baquetas de ébano, sendo contido pelo baixista que o lembrou a ultima vez em que fez isto e da tremenda caca que se seguiu.

Então se apagam as luzes.
Um holofote ilumina a porta central que ao se abrir trás o noivo de braço dado com a mãe.
A banda ataca – novamente atente-se ao verbo – “One” do U2.
Em passos lentos - aparentemente mancando - o noivo parece marchar militarmente em cima do tapete no vão central.

Todos os convidados percebem e com uma coreográfica espontânea batem continência à sua passagem. Fileira por fileira.
O que faz com que a mãe do noivo comente em voz baixa, mas perfeitamente audível:
“-Por acaso eles pensam que você é militar ou filho de militares?”.
Ao que ele responde entre dentes: “-O que eles estão pensando eu não sei, mas eu estou pensando algo bem pouco lisonjeiro sobre a mãe deles...”.
O padre que já estava bem pouco a vontade com uma banda tocando dentro de sua igreja ficou ainda mais desconfortável com as saudações.
Dizem que ele tem tendências subversivas.

Ao chegar ao altar o noivo vira-se de costas ao altar para aguardar, assim como todos, a entrada da noiva.
Alguns instantes de silencio e o holofote é novamente direcionado a porta principal que abruptamente se abre assustando a banda que então atropela – prestou atenção ao verbo novamente? – a introdução de “Still loving you” dos Scorpions.
Eis que surge uma das floristas que enfeitaram a igreja com um sorriso amarelo e um olhar que era o próprio pedido de desculpas. Ninguém soube ou saberá por que ela entrou por ali com a cerimônia em andamento...

O padre já bufava ao microfone.
Novamente se fecha a porta.
Mais alguns instantes de silencio e finalmente se abrem trazendo a noiva de braços dados com o pai.
A banda leva a canção dos Scorpions enquanto uma pequena dama salpica o chão de pétalas de rosa.
A passagem da noiva até o altar é perfeita.
O noivo a recebe com um sorriso. Recebe também um efusivo comprimento e um fraternal abraço do sogro.

Vai dar um beijo na noiva quando o padre, sem sequer cobrir o microfone, o repreende:
 “-Espere eu autorizar meu filho apressado!”
A audiência composta pelos convidados se manifesta: “Aêê!”.
O sacerdote pigarreia, pede que os convidados não se manifestem mais e começa o rito.
Tudo segue a mais perfeita harmonia.
Na hora em que os noivos vão trocar os votos, ele com voz embargada recita os seus de forma emocionada. Ela também, embora um pouco mais solta.
“-Na tristeza e na alegria”? – pergunta o padre.
“-Sim”! – responde ele.

Automaticamente a “platéia” faz uma “hola” partindo do primeiro banco da primeira fileira à direita e indo terminar no ultimo banco da fileira à esquerda.
As mesmas perguntas são feitas à noiva e a mesma resposta é dada, com um contagiante sorriso de felicidade.
“-Agora pode beijar a noiva...”.
Os convidados agora fazem a “hola” ao contrário, partindo do ultimo banco da ultima fileira à esquerda e terminando no primeiro banco da primeira fileira à direita. Explodindo em seu final com uma salva de palmas.

Os padrinhos se encaminham para dar os primeiros cumprimentos aos recém-casados.
A banda então detona – literalmente – “Shambala” dos americanos do Three Dog Night.
Alguém, provavelmente o mesmo que pediu por Raul resolve se manifestar novamente:
“-Raul não tocam, mas Chitãozinho e Chororó tocam né?”.
Outra sonora vaia e alguns risos e finalmente a baqueta de ébano voa, curiosamente sem afetar o andamento da canção.
Os noivos se despedem na igreja, como foi anunciado no convite.

Comentários

Anônimo disse…
... na Igreja, meus irmáuns, pode tudo hoje em dia ! Democrata é. Até rock...
Mas, senhor Groo, que casamento é este ? Já existe este tipo de casório ? Já ouvi Bolero de Ravel... Ficou estranho mas gosto não se discute. Ameno... " Améno ! Améno " ! Estranhíssimo ! Esperava o noivo entrando num cavalo negro com espadão à mostra ! Os padrinhos foram pro altar, o noivo entrara normamente, infelizmente, mas o meu sionho persistia. " Only Time ", Enya( cafonice ! Kfounyci, pois eram(são) novos ricos. Tacava eu Alla Horn Pipe ). Olhei para um dos padrinhos - o que poderia ser o "malandro" a ser morto, degolado ! O traíra ! - mas todos pareciam uns bichinhos de goiaba. Magrinhos, branquinhos, risonhos... O cara era forte mas já estava sem o cavalo e o espadão, acredito, escondido.... A noiva, todos adoraram ver aquele rab... "caldão" todo da bela morena e botaram " Nona Sinfonia " do Beeth na saída ! Eu botaria Conquista do Paraíso, do Vangelis... Morenaça...


M.C.
Marcelonso disse…
Groo,

Acho que conheço o responsável pela seleção das músicas e organização do evento. Que zona!!!

Como sempre mais um belo conto.


abs
Vander Romanini disse…
Esse baterista por um acaso não é conhecido aqui do blog, não??