Humor de batina


E ele era padre.
Mas não era qualquer padre, não...
Se era cantor?
“- Nunca!” – diria ele.
Tinha voz de taquara rachada, se bem que a Joelma do Calypso também, mas...
Padres cantores existem aos montes por aí, gravando cd´s; dvd´s; fazendo shows monstros com canções do Roberto Carlos e, principalmente: negando que são pop stars.

Ele não.
Se chegasse a condição que os padres cantores chegaram não iria renegar a fama.
“-Hipócritas é o que são! Se não quisessem fazer sucesso que ficassem dizendo missa em latim!”. – é o que dizia sempre.

Mas se ele não era padre cantor, qual era seu talento?
Com o que queria ele alcançar o estrelato como os padres cantores?
Ele era um padre humorista.
Piadista, imitador e avesso ao politicamente correto.

Na opinião das carolas de sua paróquia era mesmo um sem vergonha de marca maior. Fanfarrão que em muito pouco diferia dos beberrões habitantes dos bares que circundavam a igreja, mas que só pisavam o terreno da paróquia em época de quermesse.
O curioso é que nem assim abandonavam a sacristia.

Era conhecido em sua Diocese, não mostravam nenhum tipo de reação a sua forma de conduzir sua comunidade e assim ia levando a vida e tocando em frente o que chamava de sua platéia.

Nem por conta de seu humor o numero de fiéis aumentava, porém também não diminuía.
Era mesmo como se tivesse um publico cativo.
Sempre com um gracejo, um chiste, dava conta do recado.
E o momento maior de sua arte, por assim dizer, sua piece d´resistance eram os sermões das missas dominicais, onde usava piadas de salão ou não para dar seu recado.

Dificilmente uma missa sua terminava sem que ao menos uma senhora ficasse com a maquiagem borrada, ou cavalheiro tivesse que afrouxar o cinto para poder rir com mais conforto.
Usava piadas de judeus para falar que a caridade era necessária.
Contava causos de caipira para ilustrar o excesso de malicia no mundo.
Dizia trocadilhos infames a torto e a direito para ilustrar suas falas sobre o apocalipse...

Chegou a fazer um sermão inteiro chamando o diabo de Dualib e o inferno de sucursal da Secretaria da Fazenda.
Claro que ofendeu muitos corintianos e alguns funcionários públicos, mas fez rir e pensar quem não era...
Afinal imaginava-se que o coisa ruim era mesmo uma espécie de ladrão e o inferno, bem... Já o descreveram como uma repartição publica algumas vezes.

Pior foi quando resolveu fazer um sermão sobre arrogância, e usou para isto a metáfora dos argentinos com sua mania de grandeza.
Disse coisas como: “-Argentinos cometem suicídio pulando de cima do próprio ego.” E completou com a clássica: “-Quer obter lucro? Compre um argentino pelo que ele vale e venda-o pelo que ele pensa que vale.”.

As risadas foram muitas, e apenas um pequeno grupo de estudantes de direito se ofendeu. Moradores em uma das pensões da cidade e grandes entusiastas de sua forma de pregar, incentivando inclusive.
Não é preciso explicar que eram argentinos e que procuraram as autoridades católicas da região para fazer uma queixa contra o padre piadista.

Uma bronca tremenda adveio disto junto a uma ordem para que nunca mais ilustrasse seus sermões com piadas ou trocadilhos.

Porém esta era sua vocação, este era seu meio de fazer o trabalho ao qual tinha se preparado. Era como respondia ao chamado, como ele próprio costumava dizer.
Engoliu calado o que tratou como uma traição do pequeno grupo de portenhos.
Não prometeu revanche e nem vingança, mas guardou para si a pequena derrota.

Um dia ao enveredar sobre o assunto da traição acabou por tropeçar em seus próprios sentimentos contraditórios e entrar novamente pelo caminho da ironia:

-Hoje iremos falar da Santa Ceia! Naquela noite, Jesus disse: “-O meu traidor está aqui na mesa.”
E Pedro diz: “-Mestre, por acaso sou eu?”.
”-Não, não é você Pedro.” Diz Jesus. E então João prossegue: “- Mestre, serei eu?”
 E Jesus diz: “- Não é você João.”
Ouvindo os colegas perguntarem Judas Iscariotes, assustando diz: “- Mestre, por acaso soy yo?”.

Não se sabe se foi por esta recaída que deixou ou foi convidado a deixar o sacerdócio, mas dizem que ainda é possível vê-lo nos sábados à noite, fazendo figurações em programas humorísticos enquanto espera sua própria redenção.

Comentários

Rubs disse…
Esta homilia foi mesmo primorosa.
Depois dela, mudei minha mente (metanóia). Deixarei de ser mentiroso, fanfarrão e cascateiro.
Abs.
João Paulo disse…
Parabéns pelo texto cara! Me diverti pacas lendo! =-D
Anônimo disse…
... o padre é melhor que todos os ixtendapí comedis que estão por aí. Mais corajoso. Menos vendido. Ganharia os tubos, prestígio, mas teria que andar com seguranças... E a Igreja Católica, hoje, disparada, é a religião mais democrática. Quem diria... ele iria prá fogueira no século XVII depois de uma torturazinha básica...



M.C
Net Esportes disse…
Acabei de falar com um argentino conhecido meu que mora aqui no Brasil faz tempo.

Acho que quando eles vem morar no Brasil e ficam muito tempo eles mudam um pouco, tipo o Fernando Meligeni, mas não tenho certeza !!!!! kkkkkkk
diogo felipe disse…
o piadista deixou o sacerdocio,foi morar emFranco da Rocha e virou cronista (dos bons) !

parabens Ron !
Ron Groo disse…
Brigado DFS! Meu único leitor no FoVe!
Marcelonso disse…
Groo,

Seus textos são excelentes, a cada leitura mergulho na história. E dessa vez não foi diferente.

Muito bom!


abs