O tradicional (?) conto de natal 2013: Natal no VW

Inverno na Rua 45.
A decoração de natal toma conta de tudo com suas luzes, bonecos de neve e papais Noel que aproveitam a data para amenizar a depressão econômica.
Mar Cel´Onça pela primeira vez em anos decide que não publicará o Le Sanatéur na semana do Natal.
-Ninguém está comprando o jornal mesmo...

Ao dar a noticia à sua dupla de repórteres mais famosa (e única) nota certa tristeza em seus semblantes. Internamente sorri pensando: “...estes sim gostam do que fazem!”
Porém, foi só o chefe sair com o carro dançando em zigue e zague pela rua coberta de neve para que as comemorações começassem.
-Como está o velho Stude?  - perguntou Ron.
-Do mesmo jeito que ficou após você dirigir. – respondeu Coyote.
-Então estamos sem carro?
-Vou nem responder...
-Precisamos de um carro para sair da cidade.
-E vamos pra onde?
-Porra cara... Você é coiote, não?
-E daí?
-Coiotes migram para o sul no inverno, igual todo pássaro.
-Ron...
-Oi.
-Cala a boca.

Saíram os dois e se dirigiram até Honest Rubs, o vendedor de carros da Rua 45.
Por ter vivido muitos anos no Brasil, envergava um sotaque forte.
-No que posso ajudar ocês? – disse solicito o Honest.
-Queremos um carro, é o que você vende né? – perguntou Coyote ainda mal humorado.
-Uai... Mas ocê não tem um Studebacker? O que aconteceu? Escangalharam o trem?
-Era carro, mas mesmo que fosse trem, ele tinha escangalhado.  – diz o fotógrafo olhando para o repórter que faz cara de paisagem.
-E tem algum em vista? Pergunte pro seu compadre?
-Se ele entendesse de carros, não estaríamos sem.
Honest Rubs contém o riso enquanto Ron se afasta.
-Mas ocê entende né não? Pode escolher tranquilo. – e aponta para o salão repleto de Ford´s, GM´s, Chrysler´s, Buick´s e lá no fundo, bem no fundo, um VW.
-Bom, Honest... O que você tem para mim por cento e trinta dólares? - sorri Coyote.
-Uai, por esta quantia só desprezo mesmo. – responde em voz baixa o comerciante.
-O que?
-Este carro! Óia que beleza! – responde com um sorriso tão falso quando encantador.
-E que carro é este?
-Um VW! Carro alemão. Nova tendência europeia.
-É bem pequeno.
-É sim uai, por isto é que é a nova tendência. Motores 1.300cc, linhas redondinhas. Cheia de curva que nem as estrada de Minas. É o que chamam de “carro popular”.
-Minas? – estranhou o fotógrafo.
-É um lugar danado de bonito lá no Brasil, cê num conhece não...
-Ah! E Quanto custa?
-Quanto você tem mesmo?
-Aqui? Cento e trinta dólares.
-É seu.

Ao sair da loja, contente, Coyote conta outra história para Ron sobre a negociação.
-Legal... O carrinho é simpático. – diz Ron – Mas eu vi no salão alguns Buick e até um Cadillac que eram mais baratos que este.
-Como eu disse, se você entendesse de carros, não estaríamos comprando um agora.

Pegaram a interestadual em direção a Chicago, os dois iriam passar as festas com parentes na cidade.
Na metade do caminho, a silhueta de um homem e uma mulher se tornam visíveis à margem da rodovia.
Nevava e Ron pergunta se não seria possível dar uma carona aos dois.
-Pode ser, por que não? – Coyote estava extremamente desconfortável no banco do motorista.
Ao parar o carro, notaram que o homem estava relativamente bem vestido.
Loiro, de olhos azuis penetrantes e orelhas de abano.
A mulher também tem olhos de um azul profundo. Tão profundo que chegava a ser desconfortável fitá-los.
Agradecidos, se acomodam no banco de trás.
Ron, que teve de sair do carro para que entrassem – o carro tem apenas duas portas – se apresenta e apresenta Coyote.
-Jornalistas? Que bom... Logo escreverão sobre mim. – diz.
-Ai depende. – diz Ron.
-Do que? – quis saber o homem.
-Do tipo de crime que cometer ou do tipo de morte que tiver. – e sorri.
-Ah! São jornalistas policiais?
-É... Digamos que sim. Mas, você não disse seu nome.
-Francis... Francis Albert.
Os dois contém o riso.
-E o que faz?
-Sou crooner, estou indo para Chicago me apresentar no Apolo.
-Mas o Apolo não é em Nova York? – Coyote fala pela primeira vez com o caronista.
-É outro teatro, você ficaria espantado em saber como há teatros de nome Apolo espalhados pela América. Vou me apresentar para uma plateia selecionada. Espero, de lá, conseguir contrato para gravar.
-Olha... Boa sorte, mas desculpe a sinceridade, mas com um nome como Francis Albert e estas orelhas de abano, acho difícil viu... – e os dois jornalistas caem no riso. O caronista não se abala e nem se ofende.
-E podemos saber o que vai cantar? – pergunta Ron.
-E para quem exatamente? – completa Coyote.
-Bem... Eu vou cantar alguns standards: Gershwin; Cole Porter... Conhecem?
-Já ouvimos falar...  – comenta Coyote e completa – E para quem mesmo?
-Pelo que entendi, é uma confraternização de fim de ano.
-Qual empresa? Pode ser que tenhamos amigos trabalhando nela. – insistiu Ron.
-Não sei bem o nome da organização, mas seu presidente é um tal Alphonsus. - o silêncio que se seguiu só era quebrado pelo barulho do motor 1300cc do VW – O que foi? Vocês conhecem o homem?
-Se for quem pensamos, conhecemos sim. – diz Coyote. – Mas, por favor, dá uma palhinha do que vai cantar lá.
E Francis começa então a cantarolar uma canção de domínio público muito conhecida por ter um apelo infantil: Ol´McDonald.
Os dois caem na gargalhada e o caronista, agora irritado, quis saber o por que.
-O Alphonsus que você vai entreter, por acaso não é o Gabriel Capone? É? – questiona Ron ainda rindo.
-Sim, sim... Este mesmo! – responde Francis.
-Olha rapaz... Não nos leve a mal, mas com um nome como Francis Albert e cantando este tipo de canção ai com o Al Capone na plateia, é bem provável que um dia nós realmente escrevamos sobre você. – completa Ron.
-E dependendo de como estiver, tiraremos até lindas fotos... – sorri ironicamente Coyote.
A mulher, que até ali permanecera calada, olha para Francis e com um sorriso diz olhando para o espelho retrovisor interno do VW, por onde os jornalistas também a fitavam: -Ele vai se dar bem... Muito bem.

Francis, sem entender muito, agradece a carona e as palavras que julgou de incentivo – visto que já haviam chegado – desce na esquina anterior ao teatro.
Junto com ele também desce a mulher.
-Ah, me desculpem, nem me apresentei: Jeane Dixon, ao seu dispor. Muito obrigado pela carona. E, pode acreditar: quando entrarem em contato com o orelhudinho novamente, ele vai ter o respeito até do Alphonsus. – e se despede.

Alguns anos mais tarde, na capa do Le Sanatéur, o rapaz franzino, com orelhas de abano e olhos azuis aparece em uma fotografia assinada pelo mesmo reticente Coyote.
O texto, escrito por Ron, obviamente, tece elogios à voz e ao carisma do crooner que agora se chama Frank Sinatra.
E pela primeira vez, na legenda da foto, aparece o apelido que o eternizará: Frank Sinatra, the voice.
Frank Sinatra: the voice
Escrito em colaboração com o parceiro de tantas letras Anselmo Coiote, o melhor fotógrafo da Rua 45.

Comentários

Rubs disse…
O rapaziada, assim vcs me deixam muito emocionado. E quando isso acontece é muito difícil parar...
Vander Romanini disse…
Texto viciante de bom!!!!
Mas essa dupla...
Anselmo Coyote disse…
Rubs Cascata,
Emocionado vc vai ficar quando eu tiver disputando o Mineiro de Kart 2014. Win or wall! rsrsrs.
Abs.
Marcelonso disse…
Groo,

Esse final de ano é sempre corrido pelas bandas de cá...

Em tempo - esses seus contos são sensacionais. Viajo em cada leitura, como se visse um filme. Parabéns mais uma vez.

Desejo a você, seus familiares e a todos que frequentam esse belo espaço um 2014 repleto de realizações com muita saúde.

grande abraço

André Candreva disse…
Groo,

desejo a você e familiares um feliz 2014 repleto de boas realizações...

abs...
Tuta Santos disse…
Qualquer imbecil pode ver que este é um baita texto!