Conto de carnaval

Soube certa vez de uma história, não importa quem contou e nem porque, mas que achei interessante.
O baile não tinha um título pomposo e se deu em um salão que hoje abriga bailes da terceira idade.
Reza a lenda – e não sei por que não era nascido – que os carnavais de antigamente eram festas em que realmente havia alegria e uma saudável permissividade.
Eram tempos em que havia pierrots, colombinas, arlequins, bailarinas e piratas.
As guerras entre blocos - chamados “corsos” - tinham como armas serpentinas, confetes e bisnagas de água.
Que no máximo o folião poderia sair molhado da festa carnavalesca.
De sério, mesmo, apenas se ficasse de boca aberta e recebesse uma leva de confetes goela abaixo.
Mas dizia da história...

Contam que eles se encontraram dentro do baile, dançaram de forma esquisita que foliões dançam ainda hoje, com os dedos indicadores subindo e descendo ao lado do rosto.
Ele se aproximou sorrindo.
Ela sorriu de volta protocolarmente e não mostrou maior interesse.
Ele vestido de pirata com papagaio de pelúcia preso ao ombro, tapa olho e tudo.
Ela com um bonito traje de arlequim quadriculado em branco e preto e mascara sobre os olhos.
Dançou-lhe em volta sem lhe tocar ou dizer palavra até o fim da música.
Palavras que nem seriam ouvidas tal a altura e intensidade com que a orquestra atacava a marchinha quando, enfim, se insinuou.
-Mascara negra? – disse ele.
-Sim, para compor com a fantasia...
-Não... A musica que a orquestra tocava.
-Deve ser... Não me atenho a musicas de carnaval.
-Eu gosto, são lúdicas... De letras quase débeis...
-Isso... Por isto não me ligo nelas, apenas danço.
-E lindamente... Devo dizer.
-Que bom que gostou.
-Adorei. Dança a próxima comigo?
-E porque não?

A orquestra que já tocava há quase uma hora sem parar pediu um tempo para se recompor.
Ele resignado sorriu e disse que esperava. Ela com um semblante mais tenso que o normal para a ocasião consultou o relógio de pulso escondido sob a luva preta da mão esquerda – a direita era branca – e respondeu constrangida.
-Que pena! Não posso esperar, preciso ir.
-Mas é carnaval, que compromisso pode ter?
-Aqueles que máscaras podem esconder, mas não anular... Desculpe.
-Apenas uma dança, a orquestra não deve demorar a voltar...
-Não sei e não posso esperar para descobrir. Fica para o próximo carnaval. – e sorri.
-Não sei se vou poder esperar...
-Que pena! – diz ela virando-se para sair quando é segura pelo braço.
Antes que reclame, abraça-a firme e canta: “-Se fosse por mim, todo mundo andava sambando assim nesse passo passando. Porque nada mais bonito que um brasileiro pé duro. Representante da raça, descendo no samba a ladeira da praça.”.
Ela entende o recado e se deixa levar ao centro do salão.
Os outros em volta também entendem abrindo espaço para o pirata e a arlequim e batendo palmas ajudam cantando em coro.
“-E se você merecer, inteira de graça ao ar livre. A fina figura de uma criatura representante da raça descendo no samba a ladeira da praça...”.
-Esta eu conheço! – diz ela continuando – “Presa no espaço e solta no ar, nem andando e nem voando... Só sambando. Descendo no samba a ladeira da praça.”.

Ao fim um rápido beijo, roubado da parte dele e consentido por ela, afinal é carnaval.
Soltou-se do abraço e correu tal qual uma Cinderela a meia noite.
Disseram que o pirata, nunca sequer contou à esposa que já esteve em um baile de carnaval. Muito menos depois de casado. Até diz não gostar. Sua esposa idem.
Mas quando se pegam pensando no passado lembram-se de um carnaval em que foram partners, ela de um pirata e ele de uma arlequim.

Só volto na quarta-feira de cinzas, se eu próprio não tiver virado.

Comentários

Vander Romanini disse…
Véi, essa foi de matar de tão boa!!!!
Textaço!!!
Quinze minutos de aplausos de pé pra você!!!!
Bom Carnavá!!!
Manu disse…
Belo conto! Adorei!

Bom feriado Groo, que seja produtivo e que descanse bem!

=*