The day the music died.







Tudo é conjectura. Tudo é suposição.
Mas tanto a carreira Buddy Holly quanto as de Richie Valens e Big Bopper talvez não fossem tão celebres se não tivessem sido abortadas ainda efervescendo.
Ok, claro que para muitos, inclusive mercadologicamente Richie Valens equivalesse a um Elvis hispânico. Pegou os caminhos do rock´n’roll e os temperou com as influências do folclore mexicano. Assim como o Rei levou a musica negra (rock era considerado race music, musica feita por negros e para negros, como o jazz dos anos 30) ao publico branco e racista dos Eua. Valens levou o rock´n´roll ao povo mexicano.
Mas do que tratarei aqui é de como o rock e o mundo mudaram após o dia 03/02/1959. O dia em que a musica morreu.
Suas músicas – de Buddy, Ritchie e Booper - eram dançantes e/ou românticas. Valens tinha a questão latina, mas ainda assim era mais diversão que conscientização.
Então, quando o avião que viajavam bateu numa montanha devido a uma tempestade e tragicamente ceifou a vida dos três foi como se o rock and roll deixasse de ser divertido e simples. No sentido de não ser mais uma musica descompromissada. Tivesse que ter outros propósitos além de divertir.
Da metade da década de sessenta para frente, o rock tomou ares intelectuais e sociais que ainda não tinha. Os Beatles foram divertidos até “Ruber soul” (alô Alessandra Alves) e não deixaram de ser depois, mas passaram à categoria dos ‘geniais’, assim como Dylan e todo o pessoal que participou de Woodstock em 1969. A geração Flower Power, que protestava contra guerras. Mas carecia de um elemento, lá dos primórdios, que dava ao rock seu sobrenome: o ‘and roll’.
O rock já não dançava mais.
A esta altura, 1971, Elvis já era ícone – vivo, mas ícone – Os Beatles já não estavam mais juntos. Os Stones, bem os Stones não contam, afinal até hoje seu rock diz muito mais a eles e ao estilo de vida que eles criaram do que sobre qualquer outra coisa do mundo. Os Rolling Stones viveram sempre no planeta Stones.
E foi isto que percebeu 12 anos após o acidente de 03/02/1959 o cantor e compositor Don McLean.
Compôs então uma canção que chamava de volta o gingado para o rock, de forma cifrada e com uma letra com tantas ou mais citações e armadilhas que as obras de todos os citados juntos: American Pie.
Diz a lenda que o titulo da canção estava pintado na fuselagem do aeroplano, não achei confirmação. Mas como tudo na canção parece ser uma citação de algo, publique-se a lenda então.
As citações vão desde o disco “Book of love” dos The Monotones até o chamado “Verão do amor” de 1968 quando Allen Ginsberg, poeta beat, sugeriu que todos deveriam sair às ruas de San Francisco para gritar poemas e provocar terremotos.
Frases ambíguas que emulam tanto a John e Jaqueline Kennedy (Kings and Queens) quanto a Elvis Presley.
Faz referencia a Bob Dylan, quando cita o palhaço que “cantou para o rei e a rainha”. Lembrando que Dylan compôs “Jokerman” – literalmente palhaço.
E aponta que “nenhum anjo nasce no inferno” numa alusão clara ao episódio em que os Rolling Stones contrataram os Hells Angels para fazer a segurança num show em Altamont. Onde um fã morreu espancado pelos “seguranças”.
Particularmente, penso que a canção não diz só sobre a cena musical. Mas diz muito sobre a perda da inocência dos jovens americanos. Marca o rito de passagem da adolescência para a vida adulta. Mas sem adolescência.
A guerra no Vietnã; a corrida espacial; o homem na lua e então vieram as mortes de Janis, Jimi e Jim. O assassinato de Kennedy. O inicio da guerra fria e a corrida louca do relógio nuclear para bater a meia noite da humanidade e detonar o armagedom . Tudo junto e de uma vez só. A entrada nos anos 70 e seu pessimismo.
De volta ao âmbito havia o rock progressivo e suas musicas etéreas e longas que afastavam o publico dos artistas e que foram responsáveis diretas pelo aparecimento do punk rock e sua violência, por vezes gratuita.
Definitivamente o rock não dançava mais. E os jovens americanos não sonhavam mais.
E no Brasil... Tivemos algo parecido? A tropicália? Seria então o exílio de Caetano e Gil equivalente ao dia em que a música morreu? E que canção seria emblemática deste período? Alguém se habilita? Ainda volto ao assunto.

Comentários

Anônimo disse…
AEW.

Belíssimo texto, Ron, sempre gostei demais do Buddy Holly e dos Crickets, e acho uma injustiça do destino a sua morte.

O problema é que sempre confundo ele com o Hank Marvin. rsrs

Abração.
Daniel Médici disse…
O início dos anos 70 é definitivamente a perda da inocência norte-americana. É a época de Nixon, logo viria Watergate, já tinham matado aquele cara que disse "eu tenho um sonho" e Lennon já havia dito que "o sonho acabou".

Aguardo sua volta ao assunto!
Felipão disse…
Belíssimo texto Ron e concordo com o que foi escrito nele. O Daniel matou a pau também. Acho que a Bossa pode ser considerado um divisor de águas, sim, pelo que significou para o público, tanto no Brasil quanto no mundo...
Tohmé disse…
Excelente texto Groo. Porém acho que a tropicália não pode se equivaler a esse "sonho" americano.
Anônimo disse…
Eu não sei se a música morreu com a morte de "Valenzuela", Bopper e Holly, acho exagero dizer isso, mas concordo que o Rock não dançou mais (eu acho que ele não devia dançar mesmo e só dançava, acho, por que requebrara como se fazia naquela época era algo também transgressivo!), e que ele ficou mais besta, se elitizando com o super discurso do Dylan e o exagero performático do chato rock progressivo.

Sim, Rock é música simples até a medula, em letras e acordes, e é aí que está contida a sua riqueza.

Eu gosto muito da música que se faz hoje, mas não essa excessivamente produzida e comercial, mas sim a que é feita pelos talentos anônimos do "My Space." A "verdade hoje está lá dentro, dentro do My space...

Ainda gosto de coisas "main streams" como o U2, o Stereophonis, The Verve, Radiohead, mas fico imaginando gente como Elvis Presley em nosso tempo de Ipod...

Abração!
Marcos Antonio disse…
Po Groo nessa vc arrebentou,o texto tá ótimo.Nunca tinha pensado no quanto da morte desses 3 cantores.
No Brasil eu acho que não teve esse divisor de águas,talvez o surigmento dos funks apelativos tenha sacramentado o fim da música...

aguardo sua volta no assunto!
SAVIOMACHADO disse…
Sabe... Tive a sensação "déjà vu". Música é um assunto bom para nós.
Poderíamos ficar horas falando. Eu acredito que a música é reflexo do que vivemos.
Algumas pessoas podem ir além e ouvir aquilo que nunca foi ouvido. Outras não aceitam a novidade muito fácil.
Mas sem fugir muito de sua pergunta que foi boa, muito boa.
"E que canção seria emblemática deste período?"
Teria que ser uma canção que fizesse todos lembrar de uma revolução, porque se estamos falando de mudanças que proporcionou a música se tornar livre e ser cantada por qualquer um, teria que ser algo desafiador e que gerou consequências desastrosas ao seu autor.
"E que canção seria emblemática deste período?"
Quer saber da minha opinião, embora tu já saibas que eu poderia lembrar aqui de uma banda que para mim foi uma verdadeira revolução na época. Secos e Molhados. Mas de um âmbito mais abrangente e que poderia ser lembrado: "Pra não Dizer que não Falei das Flores"

http://www.youtube.com/watch?v=bz-ucKqJA8k

Um grande abraço meu amigo Groo.
Meus parabéns pelo post.
É sempre bom lembrar todos que o mundo precisa de mudanças.
Ron Groo disse…
Qualquer morte nestes termos é uma injustiça né Nabuco, e o Hank Marvin parece mesmo o Holly, embora eu prefira a musica dos Crickets à dos Shadows. Mas é questão de gosto. obrigado por comparecer meu caro guitarrista.

É Daniel, o fim do sonho americano e o início do pesadelo para jovens idealistas brasileiros que achavam que com uma guerrilha famélica e ações pontuais de assalto a banco e sequetro poderiam derrubar uma ditatuda. Daniel, não sei se cronológicamente esta certo mas o mote está dado. Um disse o sonho acabou e o outro disse eu tenho um sonho... Brigado.

Mais ou menos Felipão, afinal a bossa sepultou os samba-canção, mas infelizmente só saiu da zona sul do Rio para ganhar o mundo. No Brasil ficou restrita a tal 'patotinha' intelectualizada precisando que alguns anos depois a turma da tropicalia resgatasse seu valor por vias tortas. Isto também estará na continuação deste post.

Equivale sim Tohmé, o sonho de Caetano e Gil era emular os sons feitos nos EUA e na Europa, mas dando a ele cara e coração brasileiro. Utilizariam o rock e o folk americano como ferramenta e não linguagem. Valeu!

'O dia em que a musica morreu', Lima é referencia a um trecho da canção de Don Mclean, que conduz o texto e também o título de um filme feito em homenagem a Buddy Holly.
Mas discordamos. O rock deveria dançar sim, como nos bons tempos de Stones. Não aquela dança de passinhos coreografados, mas movimentos desconexos como quem quer lavar a alma e extravasar.
Quando ele parou definitivamente de dançar surgiram os 'progressivos' que com raras excessões eram um porre de chatos. Tivemos que esperar o punck rock e a sua estética 'do ir yourself' aparecer para salva-lo de virar peça sinfônica.
Quanto a música feita hoje, pouca coisa me emociona - Radiohead sim - o resto parece espaguetti requentado. Fico ouvindo e sacando de onde eles tiraram cada movimento, cada acorde. De onde copiaram cada atitude... Valeu.. Fez pensar.

Ai sim Marcão, o aparecimento destas aberrações sepultou de vez o que havia de musical em nossa cena. Óbvio que atinge o resultado que dela se espera. Mas é pobre em todos os aspectos. Valeu!

Vandré né Sávio, devo te confessar que não gosto dele. Das atitudes dele em vida. A musica que você citou foi feita com a intenção de fazer com que seu autor fosse a proxima grande estrela da música. Ele achava que depois de Tom e de Chico chegara a vez dele. E ele escolheu "Caminhando" por ter à ver com o momento político. Só que ele foi suplantado pelo furacão 'tropicalismo' que varreu o país naqueles anos. Até sua desgraça pessoal acabou ofuscada pelo exílio de Gil e Caetano, mas ai é assunto pra outro dia.
Quanto aos Secos e Molhados, Ney Matogrosso disse uma vez que a grande revolução que eles tinham engendrado foi a de tirar a bunda dos ouvintes das cadeiras. Eles sim fizeram o ouvinte dançar, e pensar também. Mas para Ney o importante era que a musica deles barbarizava nos rítmos enquanto o visual andrógino - copiado até pelo Kiss - fazia sua parte e chamava a atenção para eles.
Valeu Sávio.
Anônimo disse…
Groo, teu texto tá ótimo como de costume e me espantei como houve quase uma sintonia perfeita de pensamentos. Há dias venho com American Pie na cabeça, talvez a data redonda que se aproxima em fevereiro explique o quanto a tenho ouvido nas rádios on line da SKY e em clipes canais de assinatura afora e discussões pela internet. O fato é que, por vezes me pergunto, como deve ter sido o dia em que todos souberam da tragédia. Imagino o choque das pessoas pela maneira brusca de três jovens e que estavam fazendo sucesso vindo dos confins partirem daquele jeito quase que reforçando a idéia de alguns de rock era coisa de maluco. O Holly era bem legal, o Valenz também. Uma pena, uma grande pena. E como American Pie tem metáforas, nossa! Muita gente fica "boiando" na música de primeira meio que se perguntando: esse cara está falando do quê? De toda forma, é uma obra-prima, na minha opinião, do Don McLean. Aguardo seu retorno ao assunto.