Quando inventaram as corridas...

“-Quando foi mesmo que inventaram as corridas de carro?”.
“-Ih faz tempo... Foi quando terminaram de construir o segundo carro.”.
Deve ter sido isto mesmo.
Assim que o segundo carro ficou pronto, que foi apertado seu ultimo parafuso alguém deve ter tido a brilhante idéia: “-Vamos ver qual dos dois anda mais rápido?”.
E o cara que estava dando uma limpadela no primeiro carro construído pensou: “-Ora! Porque não?”.
Alinharam as carroças sem cavalo, pediram para que alguém, muito provavelmente um garoto que freqüentava a oficina, dar a largada. Avisar quando eles poderiam começar.
O moleque então pega um pano sujo de graxa, se posta entre os dois bólidos e avisa:
“-Quando o pano aqui cair no chão vocês saem, ok?”.
Os dois concordam. Arrumam-se nos bancos com os motores devidamente ligados. Lembre-se que pra dar a partida nos primeiros carros era preciso girar uma manivela que ficava embaixo do pára-choque.
O menino então solta o pano, que pesado de graxa cai rapidamente.
Dirão os maldosos que o pano caiu muito mais rápido do que os carros conseguiram largar. Maldade sim, mas não exagero. Na verdade o guri ainda teve tempo de abaixar e pegar de volta o paninho antes que os carros se movessem.
Mas se moveram, e ao alcançaram a velocidade máxima de exorbitantes 28 quilômetros por hora.
Então o piloto do primeiro carro chega à frente para contornar a primeira curva, por questão de segurança diminui o ritmo.
Por loucura ou por descuido o piloto do segundo carro não diminui. Faz a curva com o carro de lado, nos mesmo vinte e oito quilômetros por hora. A poeira sobe e encobre os dois. Quando desce a nuvem de pó já estão de novo em linha reta e o segundo carro agora lidera. E vai aumentar a diferença de espaço a cada curva.
Eis o primeiro piloto, em contraste com o primeiro motorista.
Só que aquele garoto que deu a partida para a primeira corrida e assistiu tudo prendendo a respiração a cada curva do primeiro piloto começou a pensar que aquilo sim era diversão. E que ele poderia fazer melhor.
Quando não estava trabalhando na limpeza das ferramentas ou da própria oficina sentava-se no banco de um dos carros e fantasiava estar pilotando, mas não aos prosaicos vinte e oito quilômetros.
Em sua fantasia ele ia a cem, duzentos, quem sabe trezentos quilômetros por hora...
“-Não... Trezentos não...”. - ele pensa. – “-Nunca uma maquina vai se mover a trezentos quilômetros por hora. Mas e se existir uma maquina que chegue a isto? Como doma-la? Até onde pisar no pedal do acelerador? Por quanto tempo segurar o pedal sem aliviar? Quando aliviar? E o quanto aliviar? Pisar no freio?”.
Mas ele tem de esperar por sua vez de comandar uma maquina daquelas.
Alguns anos depois a chance aparece. Ele está mais velho e o carro agora é muito mais veloz. Já alcança os cento e cinqüenta quilômetros por hora em curvas. Na reta com um pouco de coragem chega aos duzentos.
Então ele se senta. Esperou muito por isto, não vai perder a chance.
Liga a maquina e sai. Não são os trezentos quilômetros por hora de seus devaneios, mas que diabos, quem liga?
Ele a doma com a ponta dos dedos. Pisa no acelerador até encostá-lo no assoalho do carro, segura o pé no fundo até se aproximar o máximo e o mais rápido possível da curva e só então alivia. Pouco.
Apenas toca no freio, o suficiente para que o carro contorne a curva no trajeto e com segurança. E pensa nisto tudo enquanto o carro se movimenta. Tudo ao mesmo tempo.
Eis o primeiro fora de série. Logo aparecem mais construtores de carro, mais pilotos. Só alguns são fora de série. Muitos são apenas motoristas. Todos querem correr. Todos querem ser os melhores.
Eis o primeiro campeonato.
E é assim até hoje.
Que venham as emoções desta temporada. Que apareçam mais moleques de oficina.
Estamos prontos.

Comentários

SAVIOMACHADO disse…
Não tinha comentado lá. Mas aqui não passa em branco.
Ficou muito bom Groo. Muito bom mesmo.
Grande abraço meu velho.
Parabéns! Você merece estar na primeira página em muitos lugares.
SAVIOMACHADO
Marcelonso disse…
Mestre Groo,

Como diria o Zeca Pimenteira "Eu queria tanto escrever que nem você"!!!

Muito bacana o texto,quem sabe,sabe.

grande abraço
Gustavo disse…
Genial! De novo Genial!
Abraço
Unknown disse…
mestre, mestre, mestre...

discúlpeme por escribir en español, pero quiero expresarme con más claridad.

no voy a olvidarme facilmente de lo que acabo de leer. la metáfora que acabaste de usar refleja lo que late en el corazón de cada aficionado a la velocidad.

un texto fantástico, precisso, muy emocionante..
Jogo Aberto disse…
muito bom o seu blog.
esta afi mde fazer parceria , trocar de links.
eu add o seu blog e vc add o meu?
Marcos Antonio disse…
Groo, já cansei de falar isso pra vc,mas seu contos automobilisticos são incríveis. Excepcional!como dizem os cariocas, "Tu é o cara"
Caro Groo, the wanderer:

Sensacional seu conto, mais um para a conta já bem extensa do senhor, não é meu caro?
E o livro, cadê o livro???
Felipão disse…
Demorouuuuuuuu... Tem que ter livro mesmo.... Parabéns, Ron... Vc merece...
Anônimo disse…
Bom os comentários já falaram tudo, sensacional.

Que bom que gostou do Blog, tbm linkei o seu, que nem sei porque ainda não estava linkado!

Abraço!
Anselmo Coyote disse…
Demais, Groo. Leveza, objetividade, humor refinado, plástica... Muito bom mesmo, parabéns. Ilustrado por foto de Jacques Henry Lartigue, então, é o refinamento total. Se escrever um livro serei o primeiro da fila. Aquele conto da ultrapassagem do Piquet na Hungria em 1986 eu vou emoldurar e pendurar na parede.
Abs.
Daniel Médici disse…
Belíssima fábula, Groo!

Também acho que, quando as coridas surgiram, ninguem sabia direito o que fazer com elas, ou como fazê-las. Como disse Sartre, a existência antecede a essência.
Anônimo disse…
um grande escritor msm Groo, parabéns.
Isso sim é poesia automobilistica hehe
Loucos por F-1 disse…
Espatacular seu texto Groo!!!
Ele nos deixa entusiasmado ao ser lido, causa uma certa euforia como se estivesse vivendo o momento descrito.

Abraços!

Leandro Montianele
Ingryd disse…
post simplesmente in-cri-vel
serio, superou-se...

ahm, posso postar no meu profile?!?!?
uhauhauahuahuahuahuahhua

bjooooooos!
aaaa resolvi minha vida, embarco sexta feira!
Ron Groo disse…
Obrigado meu amigo Sávio.

Valeu Marcelo.

Muito grato Gustavo, recebi sua mensagem no orkut, gostei bastante.

Muchas grácias F1 A L C, consegui entender tudo viu... Mesmo.

ô do futevol carioca, pode até ser... mas cê não lê os posts da gente?

Que isto Marcão, não sou não...

Ah Ribeiro, meu camarada, quem me dera fosse pra logo.

Obrigado Felipão, de coração.

Valeu Luis e gostei mesmo do seu blog. Sempre que der to por lá.

Puxa Anselmo, você tinha lido aquele também? Brigado.

Prefiro Kerouac ao Sartre mas mesmo assim muito obrigado Daniel, valeu mesmo.

Não chega a tanto Paulo, mas obrigado assim mesmo.

Brigado Leandro, valeu mesmo.

Pode sim Ingryd, brigado.
Anselmo Coyote disse…
Groo,
Uma idéia está me apoquentando desde que li esse conto. É um inferno. Vira e mexe, nas horas mais impróprias, lá vem ela me atazanar. Ok. Esqueça as circunstâncias que ela chega.

O lance é o seguinte: esbocei um desenho ilustrando esse seu conto. Não tenho esperança de estar à altura, ainda mais que ele foi ilustrado com foto do Lartigue.

Preciso lhe mandar. Pelo menos vc vai poder sentir o que causam nas pessoas esses seus contos... rs.
Como devo fazer?
Um abraço.
Meu e-mail:
anselmocoyote@uol.com.br