Chumbo trocado

Fernando e Lídia estavam casados há dez anos.
Bastante tempo dirão alguns, principalmente nestes tempos de relacionamentos e casamentos descartáveis.
A relação era baseada em muito carinho, confiança e cumplicidade.
Decidiam tudo juntos.
Desde a cor das paredes da casa – que compraram antes mesmo do casamento – até a vinda da mãe dela para morar com eles.

Dois meses após o aniversário de quatro anos de casamento o pai de Lídia morreu em decorrência de um estúpido câncer de próstata.
Agarrado a sua ignorância e preconceito nunca aceitou fazer o exame de toque: “-Aqui não entra nada. Só sai”. – dizia.
Ao que consta, quando morreu não entrava ou saia nada mesmo.

Triste, naturalmente, Dona Marina – mãe de Lídia – corria sério risco de cair em depressão e então depois de alguns ajustes no orçamento domestico e na configuração da casa resolveram pedir a ela que viesse morar junto deles.

No principio ela recusou. Dizia que eram um casal jovem e que deviam ter toda a privacidade possível e que a presença dela ali poderia até comprometer um antigo sonho dela: ser avó.

Fernando, que em casa era divertido e espontâneo, completamente ao contrário do que era na rua onde era visto por todos como um sujeito fechado e introspectivo.
Educado nunca deixou de ser gentil ou solicito a ninguém, mas sempre com a devida distancia que julgava necessária, disse que a presença da sogra em nada atrapalharia a vida na casa ou do casal e quanto ao projeto de ter filhos... Eles estavam tentando e que provavelmente durante as tentativas, ela – a sogra – estaria dormindo: “-A senhora vai estar roncando e babando como sempre!”. Dizia provocativo.

Ela aceitou e veio ocupar um dos três quartos da confortável casa.
Uma convivência com amizade e cordialidade nasceu entre os dois que volta e meia aprontavam alguma um com o outro deixando o ambiente leve e descontraído.

Ela o chamava de “pastel”; zombava do seu time de coração, a Portuguesa de Desportos e dizia que ele era o único ser humano no mundo que ainda acreditava que o Rubinho seria campeão do mundo de F1. Além do próprio, claro.

Ele por sua vez a chamava de “dona gorda”, apesar de estar em forma para sua idade e dizia não ligar para as opiniões dela, já que de carros ela só sabia abrir a porta e de futebol então... Era corinthiana.
Assim passavam os dias, os meses e os anos...

Certa tarde ela recebeu para um café algumas amigas do grupo da terceira idade. Ficaram na sala conversando enquanto ele trabalhava no computador em algumas planilhas que trouxe do emprego
Elas falavam baixo embora ele tivesse dito que não se importassem com sua presença.

O papo animado e os biscoitos ajudaram a acabar com o café da garrafa, Dona Marina então foi à cozinha para providenciar mais.
Fernando então e dispôs a parar o trabalho e fazer sala às visitas.

-Vocês parecem se dar muito bem! Que maravilha! Não consigo nem olhar para o meu genro... – diz uma das senhoras, Dona Carminha.
-É sim, nos damos muito bem...
-Claro, mas é um tanto fechada, parece que tem alguns segredos, não sei. – e todas concordam.
-É... Sim... Ela é boa pessoa, mas tem um problema: a cerveja. – diz ele com um brilho diabólico nos olhos.
-Ela bebe? – o espanto é geral. Junto delas Dona Marina sequer tomava quentão nas quermesses.
-Pois é... Quem vê cara não é? – termina ele voltando à atenção ao computador e segurando o riso o melhor que pode, enquanto as senhoras levavam as xícaras vazias à boca, desorientadas com a informação.

Dona Marina volta da cozinha e percebe que as amigas estão agitadas, olhando umas para as outras desconcertadas.
Vê também o genro com cara de quem aprontou alguma.

-Marina, você precisa ir lá em casa... Meu marido compra umas belgas maravilhosas!
-Umas o que Carminha?
-Umas belgas... Ce sabe... São as melhores do mundo...
Dona Marina não entendia.
-Ah, meu marido e meus filhos preferem as alemãs... – diz outra.
-É que vocês são chiques, lá em casa no máximo Bohemias mesmo...
Dona Marina fica confusa, mas entende que aquilo é resultado de alguma coisa que o “pastel” disse.
Como a conversa sobre as “loiras liquidas” não prosperou o assunto finalmente morreu.
Mas não o espanto em saber que Dona Marina era chegada na bebida.

Algum tempo depois quem sai da sala por um motivo qualquer é o genro.
Dona Carminha, que não consegue segurar a própria língua resolve fazer o caminho contrário e puxar com Dona Marina o mesmo assunto que havia iniciado com Fernando.

-Vocês parecem se dar muito bem... Que maravilha! Não consigo nem olhar para o meu genro.
-Ele é um tanto fechado como vocês puderam ver...
-É sim... Deve ter lá os seus segredos...
-Claro, mas é boa pessoa... O problema é a impotência... – diz com uma naturalidade embaraçosa.
Sorri mais diabolicamente ainda com o canto da boca.
Bebe seu café enquanto as amigas tossem ou engasgam devido ao excesso de informação.

Comentários

Quem fala o que quer, escuta o que não quer!
Daniel Médici disse…
Parece a brincadeira entre o Forti o o Gancia quando eram donos da Forti Corse. Não lembro quem começou. Um disse: "O problema do carro é igual ao seu: excesso de peso". O outro: "Não o problema do carro é igual ao seu: falta...". A sogra já respondeu.
Felipão disse…
hauauahauha

pior mesmo foi ter saído como impotente... hahuaauaua
Anselmo Coyote disse…
Boa, Groo!
Marcos Antonio disse…
putz chumbo trocado mesmo! E isso porque eles se gostavam! ótimo conto groo, me deu boas gargalhadas!
Manu disse…
Ótimo conto Groo!^^ Adorei!
Marcus Mayer disse…
É... assim são as sogras.
Remédios a bela disse…
Adorei!!! Hehehehehe...
Unknown disse…
Ótimo! muito bom mesmo e n~so deixa de ser divertido.

abs
Unknown disse…
kkkkkk!! sogra é bicho perigoso mesmo!! e o povo ainda acha que pode passar a perna na nobre mãe da esposa! grande Grooo, a gente espera a seguinte
Anônimo disse…
Quem fala o que quer, escuta o que não quer! [2]

Dito e feito, mas no final.. a sogra pegou pesado hein kkkkk
Nicholas disse…
Impressionante a riqueza em detalhes....e o tato a eles....

seus contos são ótimos e divertidos....parabéns Groo...
Christian Camilo disse…
é mesmo Groo
puta merda!!
Como vc imagina ou tem referencia para tants histórias?
Anônimo disse…
Legal seu Groo.
Ah o ódio. As formas sutis que ele por vezes assume. Parece de vez em quando não existir. Mas sempre vem à tona.
Parabéns
Caranguejo