Só não ganharam por que uma outra dupla de fotógrafos do concorrente jogou sujo. Enquanto um fazia o trabalho pesado e se estourava todo para conseguir resultados o outro ficava com os louros da vitória, e o pior: depois dizia não saber de nada... E assim paparam os dois prêmios a que nossos heróis foram indicados, até que um dia se desentenderam e foram descobertos... Mas esta é uma outra história.
Rumaram então para a Rua 45 não sem antes passar pelos cinemas da boca do lixo colher informações sobre o morto.
Entraram sem pagar pelo bilhete no cine Cahiers du Cinema, que antes fora um luxuoso palácio. Suas cortinas de tafetá grená, hoje carcomidas de traças, testemunharam exibições em avant-premiére dos filmes de Fellini ou Bergman, mas que hoje apresenta apenas comédias românticas americanas ambientadas na Inglaterra.
Enquanto Ron procurava seus informantes tradicionais, Anselmo se divertia pegando pipoca dos saquinhos de namorados desavisados.
Ele aproveitava enquanto o casal trocava beijos apaixonados, daqueles de encolher dos dedos dos pés...
-Hoje não tem ninguém aqui Anselmo... Que ce ta fazendo? – pergunta Ron.
-Comendo pipoca doce... Quer? – responde oferecendo as pipocas na palma da mão.
-Não, não... Mas nós não paramos em nenhum pipoqueiro, onde foi que arrumou?
-Poxa Ron... Estamos em um cinema, quer lugar melhor para pipoca?
-Eu to dizendo que não vi você comprar a pipoca... Só isto.
-E não comprei... É cortesia.
-De quem?
-Daquele casal ali... – e aponta com a lente da câmera, aproveitando e disparando outra foto sem se denunciar, dizendo: "– Essa é para meu acervo, trabalho autoral."
Depois de procurar um pouco encontram Iriarte, um gringo que freqüenta o Cahiers desde sempre. Tudo vê e tudo sabe.
Figura onipresente em todos os assuntos da cidade.
-Conta pra gente o que você sabe Iriarte... – diz Ron
-Pero, io no sei de nada! – responde o gringo.
-Sabe sim... Conta pra gente, se você não disser nada vamos tomar este seu silencio como uma confissão de culpa... – deixa no ar Anselmo.
-Que es isso? Nem de brincadeira hã? Só sei que o defunto era jogador viciado. E azarado já que voltava pra casa só com la roupa del corpo!
-E sabe quem pode ter feito isto? – Ron quis saber mais.
-Pode ter sido muita gente... Mas exatamente io no sei...
-Tá valendo... Brigado, vamos pra cena do crime... Anselmo acerta com o Iriarte aí...
Anselmo então enfia a mão no bolso da calça e põe sobre as mãos espalmadas de Iriarte o seu conteúdo: um saco de pipoca doce esquecida por outro casal qualquer.
O bom amigo Iriarte.
Já na cena do crime os dois são parados pelo comissário Le Felipon e seu adjunto Oliver que os advertem: A cena era feia até para um jornal popular como o Le Sanatéur – onde os dois trabalhavam.
-Tem problema não comissário... O Anselmo é o melhor fotografo do mundo, nas lentes dele qualquer tragédia vira obra de arte! Até um defunto caloteiro. – Ron assegura.
-Está certo... Mas não há mais nada a investigar, já prendemos o assassino e ele já entregou o mandante.
-Foi crime de jogo né?
-Foi sim Ron... Quem te contou?
-Um pássaro... Que canta em portunhol... – entregou Anselmo.
Ao entrarem na sala onde jazia o corpo, Ron não se conteve e cantou “De frente pro crime” de João Bosco e Aldir Blanc: “-Ta lá um corpo estendido no chão...”.
Anselmo ameaça começar uma batucada na bateria do flash mas para. Ron também - melhor respeitar o presunto.
-Mas Anselmo, o comissário tinha razão... O cara tá muito mal... Veja só estas olheiras! E esta papada? Porra, um cara não iria querer aparecer assim na capa de um jornal nem depois de morto!
-Tem razão Ron! Principalmente depois de morto, que não pode se defender ou dar desculpa né?
-Pois é... Vamos dar um jeito aí...
Nisto entra no recinto a médica legista, atrasada como convém a todo bom médico legista, afinal, ele sempre descobre a doença, mas infelizmente, tarde demais.
Dra. Remédios cumprimenta os repórteres e diz que o trânsito estava horrível, no que os dois concordam, apesar de terem chegado até o local andando. Ela também...
-Foi assassinato por envenenamento! – diz ela
-Não... Foi um tiro no peito... Olha ali o buraco. – aponta Anselmo para o peito do morto.
-Sim, mas a bala estava envenenada! – retruca a doutora, que não gosta de ser contrariada.
-Ah! Claro... - concordam juntos, para não irritar a doutora.
-Mudando de assunto... A senhora tem aí um daqueles estojos de maquiagem? – quis saber Ron.
-Tenho! Mas para que?
-Precisamos para dar uma melhorada no aspecto do cadáver... Sabe como é... O Le Sanatéur tem certo nível... Não fica bem apresentar um defunto tão mequetrefe, tão reles...
Ela empresta o estojo aos dois e deixa a sala, com mais dúvidas do que quando chegou.
Anselmo e Ron fazem um trabalho perfeito com os pós, cremes hidratantes para pele e cabelos e um surpreendente creme de lifting facial que conferiu ao desencarnado até um sorriso.
Sumiram as olheiras, as rugas e até um bom pedaço da calvície que insistia em aparecer.
No dia seguinte a edição do jornal sai com uma foto enorme estampando a primeira pagina e ilustrando a manchete. “Morreu Bonito: gastava dinheiro que era para pagar a máfia com tratamento estético.”
E assim foram os dois indicados de novo ao Pullitzer.
Agora vai!
Texto feito com enorme ajuda de Anselmo Coyote, inclusive na escolha das fotos de Weegee.
À partir das 4 da tarde o melhor da música e as oito da noite entramos ao vivo com o programa.
Neste link: http://robaovivo.listen2myradio.com/
Não perca!
Comentários
Sensacional o texto,sinto-me honrado em fazer parte como
Mar Céu L´Onça foi muito bom,excelente trabalho.
A cada dia seus textos me surpreendem,a manchete então foi sensacional!
abraço
desse jeito nem o maradona vai acreditar nas informações estratégicas que passo pra ele... e olha que eu só passo informação pra esse malandro...
ass(as)inado:
anónimo (vocês sabem "quien")
e melhor arrumarem outro informante que o iriarte dá muitona telha...hahuahauahuahauahua
Entreguei nada. Ninguém acredita que se entrega um informante. Foi só um blefe ao contrário. Ó, esquenta não. São segredos do negócio. Tá tudo dominado.
"...e ainda me deu pipoca tuda do filme da tarde!! tá tuda cheia de humidade..."
Pô, pipoca doce é assim mesmo, coloridas, tenras e...doces (arghh!!) rsrs.
"porra!! assinei com meu própio nome!! sou um fracasso de informante anónimo!!"
Que nada, vc é o cara (ou a testemunha X)!! (é o Esquecildonso fazendo escola... desculpe-me, mas não podia perder a piada...kkkkk!!)
O Groo é o cara tb.
Abs.
Grosjean, o Visconde de Sabugosa.
Nada como um dia após o outro (ou um muro no mesmo lugar, sei lá).
Abs.
Mandaram muito bem no conto, Groo e Anselmo!! Sensacional!!
Valeu por mencionar o Sanatório. Aposto que foi idéia do Anselmo né!? hahahahhaha
Abraços!
Leandro Montianele
Ficou muito, muito legal.
Me manda um email para combinarmos?
ptohme@terra.com.br
Boa, Ron.
eu e o meu adjunto oliver...
ahuahuahuahuahuhahuahahuahuahuau
Adorei a foto do cinema. Fiquei imaginando a maquilagem feita por vocês dois. Devem ter acabado com a base da Dra Remédios.KKKKKKK.
Abraços...
abs
E pronto: estás cada vez mais perto de colocar isto tudo num livro. Se existem alguém que merece converter este blog para o suporte em papel, esse alguém és tu.
Abraços, Groo!
Groo, só dei uma passadinha para te lembrar que estou aqui sempre, e que te amo.
Bj
Mas sinceramente, nunca vi ninguém pegando ninguém por lá - nada contra, mas o ambiente é fundamentalmente masculino.
hehehe, valeu pela homenagem, Groo!
Sensacional o texto, só vc mesmo para reunir todo mundo e conseguir prender a atenção do início ao fim do texto.
Abraço.