Mademoiselle

O saco já andava por transbordar por ter de tocar contrabaixo em bandas de churrascaria onde geralmente o público era mais preocupado com o ponto da picanha que com música.
Não era para isto que havia estudado e sentia que desperdiçava seu talento, sua vocação.

Afinal, aos que lá frequentam pouco importa se tem alguém tocando algo, se é rádio ou há silêncio no ambiente.
Para alguns, aliás, o silêncio seria a melhor pedida.

Mas então por que continuar? Qual o sentido em seguir?
Em seu íntimo pensava que um dia aquilo valeria a pena, e um dia finalmente valeu...

Ela adentrou o recinto trajando um vestido longo, em tons de vermelho degrade e com uma generosa abertura ao lado da perna esquerda que subia até a altura da coxa.
Sentou-se à terceira fileira de mesas, bem visível do palco e com ótima visão deste.
Acendeu um cigarro. O estabelecimento ao que parece dava mais importância a satisfação do cliente que as leis anti fumo do estado. Ou seria apenas a ela permitida tal violação?
Hipnotizara a todos.
Alguns deixaram de comer, outros - aparvalhados com a visão - deixavam entrever em suas bocas abertas o que comiam. Ridículos...

Do palco, ele também não sabia quem era, nem seu nome, de onde vinha ou para onde iria após deixar a casa, mas era o que menos importava.

Depois de tocar as protocolares músicas sertanejas e algumas pérolas da MPB (“Por onde eu for quero ser seu par”) às quais ninguém prestou atenção, a banda resolveu descansar alguns minutos antes de continuar a ser ignorada.
Viu ali sua chance.
Largou o contrabaixo e pegou um violão de cordas de aço que era mais objeto cênico que instrumento propriamente dito.
Sentou-se em frente ao microfone e deu duas batidinhas em sua cápsula certificando-se de que estava ligado ainda.
Estava.
Seus companheiros de banda - já tão de saco cheio quanto ele – deram de ombros. Se não lhe bastava ser ignorado em grupo e queria então ser ignorado solo problema dele..
E foram ao bar.
Ele não disse uma só palavra, apenas tocou.
Com os olhos fixos em direção a sua mesa começou a cantar de forma intensa:

ma-ma-ma-mama-mademoiselle
com seu salto agulhade couro de cascavel

ma-ma-ma-mama-mademoiselle
Seus olhos brilham em brasadebaixo do seu chapéu
eu não sei, eu fico perdido
eu fico cego com as cores do seu vestido

ma-ma-ma-mama-mademoiselle
sua vida são flashes de um colorido carrossel
eu não sei, eu fico perdido
eu fico cego com as cores do seu vestido

ma-ma-ma-mama-mademoiselle
você fugiu de mim
e se escondeu na torre Eiffel

Ao final não houve aplausos, um sequer.
Nem dela que, aliás, levantou-se sem comer ou beber nada, mas de passagem pelo palco deixou um olhar.
Aquele que dá a entender que captou a mensagem embora não saiba o que exatamente fará com ela, mas entendeu.
Ao passar pela porta e deixar o estabelecimento não olhou para trás, não houve sorriso, nem promessas, nada.
Mas ainda assim, quando a banda retornou ao pequeno palco para continuar a ser ignorada até o fim da noite, ele se sentiu bem.
Afinal, em seu íntimo ele sabia que um dia valeria a pena.
E finalmente valeu,
Pelo detalhe de um olhar, mas valeu.

Comentários

andreh disse…
Pô, pensei q ele fosse traçar a mina no final! Tô zoando Groo! Vc tá ficando bom nesse negócio de escrevinhar! Já dá pra sair um livro? Abraços!
Net Esportes disse…
breve lançamento ... "Os contos do Groo" .... e por uma mademoiselle como essa da foto vale tudo mesmo !!!!
Ron Groo disse…
Ô Andreh, obrigado pelo "tá ficando bom"...
Eu me esforço. Valeu.
Marcelonso disse…
Groo,

Também acho que já está na hora de pensar em publicar seus contos,dominio da escrita,talento e imaginação não lhe falta!

abraço
Anônimo disse…
... M.C., o estraga prazeres, mas, acredito, para ajudar, já que o conto é bão, pergunta : Era um fantasma ? Não, entrar numa churrascaria, não comer nadica de nada, toda de vermelho( sei lá... nunca vi um fantasma mas, dizem, que vem todo de branco... Também, os tempos são outros ! Já viram, alguns neo- birutas, os neo-fantasmas bem vestidos...) e fumando( bom, fantasma solta fumaça... verde, azul...já ouvi falar disso..). O músico deveria ter seguido a moça, "na moita". Pararia, com certeza, num cemitééééério... Conheces a história da mulher linda que se encontrava com um jovem lindo e, quando aproximava-se a meia-noite, o cara já todo excitado, ela dava o pira ? Ele, educado, aceitava mas não aguentou... Foi atrás dela sem a moça perceber. Ela era rápida ! Ele precisava quase correr ! Virava uma rua, virava outra, andava a extensão de um quarteirão grande numa velocidade surpreendente ! Só que, vestida toda de branco, a rua deserta, fácil de identificá-la. Quando chegou, quase bufando, à esquina, olhou, escondido, atrás de um muro de uma casa, para pequena rua que dava para várias outras mas a entrada do cemitério bem á sua frente. As portas estavam trancadas, do cemitério e das casas. Não, não havia nenhum enterro daí, trancadas. Ela, a linda mulher, parou e ainda olhou para os lados, assustada, pressentindo algo, em frente a porta de uma casa. Ele pensou: Ah, é ali que ela mo..." Nem terminou de falar. Com velocidade espantosa, como se voasse, atravessou o portão fechado do cemitério ! Ele não acreditou no que viu. Dentro da nossa ultima morada( alguns preferrem e preferirão o crematório), ela virando-se, devagar, olhou para rua, triste, e, de cabeça baixa, voltou a andar em direção ao escuro, sumindo entre os túmulos... O cara foi encontrado desmaiado pela dona Florinda, a proprietária da casa da esquina... " Mais um, Jandira ! Traz água com açúcar pro moço ! Moço ! Acorda... ". O músico deveria, depois da olhadela dela, ter seguido a dama de vermelho. Conheceria a dona Florinda e sua empregada, a Jandira. HA !