Fuscão

Não era um Sinca Chambord, mas um Fusca.
Prata, ano 70, mas com carroceria ano 80, tipo ‘Fafá’, com aquelas lanternas enormes e redondas em sua traseira. O pai de Reinaldo usou parte de sua indenização para comprar aquele carro que depois da bonita e confortável casa onde moravam era o maior bem que possuíam.
Orgulhoso entrou em casa todo sorriso e levou toda a família para apreciar a aquisição. Irmã, mãe e Reinaldo chegaram ao portão e deram de cara com o simpático carrinho.
Depois de algumas explicações sobre a compra ‘Seu’ Tião pediu ao vizinho que viera dirigindo o carro para que levasse a todos para dar uma volta. Sentir como o carro era bom, como seu motor 1600 era forte: “-Sobe as ladeiras em terceira marcha...” – Dizia.
Reinaldo que não era entusiasta de automóveis achou que tudo estava muito bom, mas nem pensava em dirigir. Certa noite quando batucava na bateria em seu quarto Reinaldo recebeu a visita de seu pai:
- Filho. Acho que você vai ter de aprender a dirigir...
- Logo eu pai, por quê?
- Sua mãe foi ter aula de direção hoje e aconteceu o mesmo que acontece toda vez...
- Ela desandou a rir, né?
- É. De novo. Foi só sentar no banco e segurar o volante e lá vieram as gargalhadas.
- E o senhor pai, por que o senhor não aprende?
- Eu já comprei o carro, não comprei? Agora quero aproveitar. Sentar no banco do passageiro e ver a paisagem na janela.
Não que ‘Seu’ Tião fosse preguiçoso ou acomodado, só não queria ter a responsabilidade de dirigir, na verdade ele até aprendeu, mas achava que por ter pouca instrução escolar não conseguiria tirar a c.n.h., coisa que infelizmente até alguns amigos dele, completamente analfabetos, conseguiram.
Então alçado a condição de futuro motorista da família Reinaldo foi ter as aulas de volante. E enquanto aluno tudo muito bom, com o instrutor do lado era atento, tranqüilo. Dois meses depois entrou pela ultima vez na auto-escola para retirar a c.n.h, documento novinho com cinco anos de validade.
Nas primeiras semanas levava a família à feira, ao supermercado, tudo só em primeira e segunda marcha. O motor roncava alto, na verdade se esgoelava pedindo a terceira marcha, que medrosamente ele não punha.
Nada de muito extraordinário acontecia, alguns arranhões na lataria uma ou outra lanterna trincada.
Seus amigos não eram muito de entrar no carro quando Reinaldo guiava. Preferiam ir a pé, ou de ônibus só se não houvesse mesmo jeito. Mas Reinaldo gostava mesmo era de ter Ivan a seu lado, não se sabe por que, mas este era seu principal e mais assíduo passageiro.
-Reinaldo, não olha pro cambio quando for trocar de marcha não...
-Por que cara?
-Sei lá meu, me sinto mais seguro, mais a vontade.
-Tá.
IRRRRRKK (barulho de cambio arranhando).
-Tá vendo, se eu não olhar pro cambio acontece isto.
Não que fosse um barbeiro, tinha lá suas deficiências só isto.
Um dia todos combinaram de ir jogar futebol e Reinaldo se prontificou a levar alguns deles no fusca. Dos 13 ou 14 só dois acharam a idéia boa. Os outros todos foram se afastando e num instante sumiram.
Reinaldo tirou o carro da garagem e foi logo batendo o retrovisor esquerdo na porta.
A casa tinha saída para duas ruas, na que ficava a garagem era uma rua sem saída, e a outra era contramão tendo então de subir por uma rua paralela que ainda tinha um monte de terrenos baldios e lá foram eles.
Ato continuo. Iam subindo à mesma rua os outros 11 ou doze camaradas:
-Lá vem o Reinaldo e o fusca...
-É. Escuta só como o carro grita... Tadinho.
-Pode crer...
Os 11 ou doze olharam ladeira abaixo para ver o carrinho apontando na curva quando de um dos terrenos sai uma cadelinha seguida por uns dez cachorros. -Ih olha lá agora o Reinaldo vai frear. O carro vai morrer e ele não vai mais sair dali!
-É, vamos dar umas risadas.
De dentro do carro, no banco do passageiro ao lado do motorista Ivan vê os cachorros.
-Cê vai brecar?
-Se brecar o carro morre, to em primeira.
-Que cê vai fazer?
Reinaldo segura firme o volante chega o rosto mais perto do pára-brisa e começa:
-Sai, sai cachorros, sai... Sai daí.
Esqueceu-se completamente da buzina. Não tinha a malicia de segurar na embreagem e acelerar para fazer mais barulho com o motor... Foi avançando em direção a cachorrada...
Do lado de fora os 11 ou doze viram o fusquinha ir passando por cima de todos os cachorros. Sem poupar nenhum cãozinho. De dentro do carro Reinaldo e Ivan e o outro do banco de trás só viram os cachorros sumindo e alguns ficando para trás. Do lado de fora viram cachorro saindo pelos lados, pela frente do carro. Batendo nos pára-lamas, nos pára-choques, outros rolavam para a traseira do carro. Nenhum se machucou seriamente. Uns mancavam, mas logo depois corriam como se nada tivesse acontecido.
Os 11 ou doze de boca aberta desistiram de ir jogar futebol enquanto o fusca seguia seu caminho em primeira marcha.
Já no centro de Franco da Rocha, (depois de percorrer quase 13 quilômetros só em primeira e segunda marcha) Reinaldo parou o carro num semáforo antes da entrada do viaduto que liga os dois lados da cidade, que é cortada pela estrada de ferro. Puxou o freio de mão e ficou esperando o mesmo abrir. Quando abriu Reinaldo acelerou tranquilamente. Subiu o viaduto, ultrapassou um ônibus e ai notou que seu carro soltava muita fumaça. Na descida do elevado um caminhão passou pelo fusca e o motorista da faixa rápida gritou: “-Solta o freio de mão seu burro!”.
Na volta (primeira e segunda marchas) correu tudo bem, só ao chegar em casa e que Reinaldo teve um probleminha.Bateu o pára-lama direito na entrada da garagem.
Uma semana depois o motor do fusca travou, quando o pai de Reinaldo esquentava o carro dentro da garagem.
Foi vendido e o dinheiro virou uma geladeira.

Comentários

Marcelonso disse…
Groo,


Olha, depois de tudo a geladeira foi a melhor e mais segura aquisição da familia.


abs
Tohmé disse…
Eita coisa perigosa essa....DIRIGIR.