Nota do busão (faz tempo que não tem uma...)


Faz algum tempo que não publico uma nota do busão.
Sinceramente não tenho saudades de andar no coletivo todos os dias, mas quando é preciso... Lá vai

Estava sentado em um banco único, pouco a frente da catraca do cobrador e ao lado da porta de saída.
Em um dos pontos sobe ao coletivo um tipo conhecido daquela linha: Rubão.
Rubão é funcionário público e para ajudar no orçamento familiar, produz e entrega salgados nos bares da região.
Rubão entrou, pagou a passagem e na falta de um banco livre, sentou-se no degrau que dá acesso a porta de saída.
-Porra! Tô cansadão... Já fiz umas vinte entregas hoje. Olha só... Tô até sujo! – disse.
-Mas isto é bom, não é? – perguntei.
-Claro, não posso reclamar não...
E cessa a conversa.

Três pontos à frente entra uma senhora.
Olha para dentro do coletivo e decide não ficar antes da catraca. Talvez por pensar que fosse mais fácil arrumar um lugar para sentar depois de passar pelo cobrador.
Ao pagar a passagem dá uma rápida olhada no panorama e seus olhos caem nada mais nada menos que em Rubão.
Ela conta o troco que lhe é dado e separa dois reais.
-Rubão percebe o que está por acontecer e começa a falar em voz relativamente baixa.
-Não faz isto, não faz isto... Não faz...
Então a senhora chega bem perto e deposita na bandeja vazia que Rubão trazia sobre as pernas a nota de dois reais.
-Senhora, faz isto não... Eu não sou trabalhador e...
-Eu sei meu filho... – diz ela cortando – Não tá fácil para ninguém!
-A senhora não entendeu...
-Entendi sim... Não precisa ter vergonha não. – e puxa a cordinha solicitando a parada.
-Não...  – diz ele – A bandeja é do salgado que eu...
-Eu sei... Fica tranquilo... Pode usar o dinheiro para comprar o salgado se quiser... – e desce.

Sem poder fazer mais nada, Rubão guarda os dois reais na carteira, olha constrangido sem dizer mais nada.
Me levanto para descer e de passagem digo com um sorriso sacana: “-Estou sem trocado, me desculpe.”.
Já na calçada ouço um singelo e divertido: “-Vai se f... Ron... Vai se f...!”.

Comentários

Vander Romanini disse…
Fiquei com pena do Rubão!!!!
KKKKKKKKKK
Anônimo disse…
... filho desnaturado ! O pai ajudou, me lembro, na carreira e olhem só ! O velho vendendo salgadinhos e confundido com pedinte em Frango na Rocha ! E andando de onibus ! O cara, o filho, tá rico... hoje, é um baita entrevistador de pilotos ! E fazer isto com o pai ! Bem feito, senhor Groo. Fica tirando sarro de mais uma crueldade da vida ! O " vai se f... " tem lugar, sim ! Tirarei satisfações com o Ruimbinho.

Obs: os onibus daí são bons ? Os daqui dão de mão leve e mão boba a lutador de assassinos, quiquiboxers e estupradores. Ou seja, são "ótimos" !


M.C.
Anônimo disse…
lutadores de quiquiboxers, assassinos...

melhorou.


M.C.
Rubs disse…
E o xará estava certo em tudo Ron Groo. Excelente conto.
Abs.
Marcelonso disse…
Groo,


Sempre me divirto com esses contos do busão...


abs
Maurilyn Júnior disse…
Cara, quando você vai lançar um livro de contos??
Ron Groo disse…
Heheheh, um dia Maurilyn, quem sabe.