Fuá na casa de Cabral

“-Eu sou Ambrósio, eu vivo no mundo comprando vendendo e trocando figura! ”

Formado em Pernambuco no ano de 1992 por: Siba: guitarra e rabeca, Eder "O" Rocha na percussão, Helder Vasconcelos nas guitarras, teclados, percussão e fole de oito baixos, Mazinho Lima no baixo e triângulo, Sérgio Cassiano na percussão e vocal e Mauricio Alves, percussão, foram associados a então nascente cena do mangue beat de Chico Science e Nação Zumbi ou Mundo Livre S/A.
Porém o grupo oferecia mais que o batuque do maracatu misturado a rock, funk e beats psicodélicos.
 As levadas do Mestre Ambrósio, embora tenham também exibam intervenções elegantes de guitarras e algumas cores modernosas, são do mais puro cancioneiro regional: forró, maracatu, coco, baião, caboclinho e ciranda com letras inspiradas na melhor tradição da poesia popular e do cordel.
O primeiro disco homônimo saiu em 1996 de forma independente produzido por Lenine e Marcos Suzano e vendeu vinte mil copias. De pronto chamaram a atenção da gigante Sony Music que lança em 1998 aquele que seria seu grande trabalho: "Fuá na casa de Cabral" é uma obra atemporal e inclassificável.
Não cabe em rótulos.
É um disco, mas poderia ser um livro, um filme ou um tratado de sociologia.

Abre com uma vinheta. Trupé (queimar carvão) que é de domínio publico e funciona como aquecimento e logo após a frase que abre este texto a festa explode e cores e sons.
Os cabôco nos transporta a terreiros de dança com poeira subindo e narra como foi batizada a cidade de Olinda.
A canção que da titulo ao álbum é sensacional!
Começa com Cabral chegando a nado no Brasil e já mandando abrir um forró para se divertir. Com direito a muita cachaça e no fim, a tradicional ressaca bate e o descobridor se diz arrependido do seu feito.
Sêmen tem andamento épico e letra longa traduz à linguagem popular mestre Gilberto Freyre e seu Casa grande & Senzala:


Tantos povos se cruzam nessa terra/ Que o mais puro padrão é o mestiço/Deixe o mundo rodar que dá é nisso/A roleta dos genes nunca erra/Nasce tanto galego em pé-de-serra/E por isso eu jamais estranharei/Sertanejo com olhos de nissei/Cantador com suingue caribenho/Como posso saber de onde venho/Se a semente profunda eu não toquei?
O canto indígena Pareia dá mais uma pista das origens e faz a ponte para o maracatu nação de Esperança (na mata eu tenho) escrita quase em dialeto e pontuada por um grito de guerra em coro: Arreiamá! Guerreia Aruba!
Chama Maria e Pé de Calçada estão mais para o forró tradicional levadas na rabeca e não na sanfona. Esta ultima consegue a proeza de trazer gênero para um contexto mais urbano:
Hoje eu faço forró em pé-de-calçada/No meio da zuada, pela contramão/Eu fui lá na mata e voltei pra cidade/De caboclo eu sei minha situação.
Luiz Gonzaga sorriria ao ouvir.
Usina (Tango no mango) traz uma gostosa brincadeira de versos de subtração com os filhos que o personagem principal teve em um casamento com uma “véia”.
Se seu Zé Limeira Sambasse Maracatu homenageia com justiça o repentista/cordelista numa letra que o próprio assinaria.
Pedra de Fogo fecha a festa sob as bênçãos de Ariano Suassuna.
Ainda há a vinheta Maria Clara que remete as musicas dos antigos parques de diversão mambembes.
Ainda haveria um outro álbum de nome: "O Terceiro Samba", menos radical nas experimentações, mas muito agradável.
Infelizmente a onda do famigerado “forró universitário” – rotulo mais idiota este – não fez marola suficiente para por a nau de Mestre Ambrosio de novo no mar. Apenas para jogar dejetos na areia da musica nordestina com calypsos e outras coisas indignas de citação.
Salve Mestre Ambrósio.

Comentários

Anônimo disse…
Senhor Groo. Não me leve a mal. Não é uma questão de 'ser do contra' sempre. Uma opinião e só. Ser livre para opinar. Fico com o final do seu escrito:'Calypsos e outras coisas indignas de citação'. Um mundo seria bastante chato o senhor com Deus, hein ? Sabe aquele filme com Jim Carrey e o Morgan Freeman, 'O Todo Poderoso ' ? Noooossa ! Musicalmente chato. Sem Bitous, sem Calypso e outras coisa indignas... Caramba, será que o Falcão faz parte das coisas indignas ? 'No cume' é demais ! Deve fazer... Genival Lacerda ! Pô, Rádio de Pilha é o máximo ! Ela deu o rádio ! Mas ela deu rádio ! Só prá fazer pirraça, ela deu o rádio.... Que ele comprou no Rio de Janeiro, para a mulher dele, que ficou, lá, na Paraíba. Pode isso, senhor Groo ?
https://www.youtube.com/watch?v=g0j5saOLZsY
Deixa o povo se divertir.

Sentar-me-ei, numa bela poltrona, na minha bela sala de estar, com a minha bela Suéllen, com ar blasé, totalmente nua, sentada num belo sofá, só com belos saltos altos Ferragamo( Cavendish foi obrigado, por mim, após a compra do belo anel para a bela esposa de Sérgin Lalau a comprar os lindos saltos, na bela Mônaco. O povão pagou), nesta bela casa( está muito Talking Heads...), porque vamos ouvir, agora, Rachmaninov, 'Piano Concerto N° 2', enquanto leio umas poesias de Fernando Pessoa. Deixa eu colocar o meu monóculo e enrolar a ponta do meu belo moustache... Vejo, na parede, um Manet de papai... Déjeuner sur l'Herbe. Roubei dele. Nem notou. Depois escutaremos o Mestre Ambrósio. Me parece, este músico excepecional, bem cult...

'O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente'.

Lindo.


M.C.