Contos do botequim - 2 - As funerárias

E estavam todos no botequim, como sempre, aliás, no fim de tarde.
Canário, o balconista, já havia trazido à mesa dos aposentados mais sacanas do mundo ao menos duas dúzias de cerveja.
Lá já se encontravam Andrade, professor aposentado de língua e literatura; Lucas, o açougueiro; Pedro Marvio, que trabalhou durante anos na estrada de ferro; Derico, que as línguas irônicas diziam que era “fiscal da natureza” em um eufemismo claríssimo para “vagabundo” e o ex-prefeito da cidade, Dito Fernando que todos conheciam como Sapo - vai saber por quê? – quando chega ao recinto Anízio, cabo da polícia militar. De todos, o único que ainda exerce sua função, ainda que em serviços internos, mas exerce.

-Grande Anízio! Tá de folga hoje? – pergunta Lucas.
-Boa tarde a todos! Estou sim...
-Conta pra gente ai... Muito trabalho na delegacia? – Pergunta Pedro.
-Rapaz... Depois que passei para os serviços internos o trabalho dobrou!
-Mas a grana também deu um salto, não deu? – é a vez do ex-prefeito.
-Não... Claro que não... Você sabe.
-Sei... Sei também dos “por fora” que recebe por conta dos ilustres defuntos que tem o azar de morrer em nossa cidade...
Dito Fernando vivia dizendo – mesmo quando era prefeito – que a cidade era um péssimo lugar para viver, mas para morrer servia bem já que morto não tem luxo mesmo... No máximo um caixão de madeira nobre, mas: “-Isto ele nem fica sabendo.”.

-Isto é lenda... É maledicência. Não existe!
-Esqueceu que fui prefeito? Acha que isto foge ao conhecimento da gente?
-Senhor Dito... Nós também sabemos de muita coisa que acontece na Casa Verde (a prefeitura), mas nem por isto falamos por ai, não é?

Andrade, que até ali tinha se limitado a ouvir resolve dar uma palhinha na conversa.
-Mas meus caros... Tem coisas que não precisam ser ditas. Subentende-se... Tem coisas que só um olhar já denuncia... As coisas que Dito diz que sabe, todos sabemos. É fato, embora não tenhamos visto nunca!
-Ok... Vou dar a chance a vocês de dizerem o que sabem, não vou confirmar e nem negar nada...
-Tá bom... Como eu tenho os ouvidos da rua... – diz Derico
-Claro! É vagabundo! – interrompe Anízio.
-Como tenho os ouvidos da rua, digo que o que se fala é que você ganha dinheiro para informar as agências funerárias da cidade sobre os falecimentos que são registrados na delegacia. – conclui.
-Mentira... Pura invenção! Não há o menor fundamento nisto...
-Não? – perguntou Lucas.
-Não.
-Não mesmo? – insistiu Marvio.
-Não, já disse.
-Então tá! – encerra a questão Derico, enquanto Andrade apenas sorri, ironicamente.

Então toca o telefone celular de Anízio, que sem se importar em pedir licença ou se afastar, atende.
-Alô?(...) Sim é o cabo Anízio. (...) Como? Acidente? (...) E teve mortos? (...) Dezessete? Tantos assim? Foi ônibus?(...) Tem certeza? Dezessete mesmo? (...) Que beleza... Que beleza... – e enquanto falava sorria com uma satisfação assustadora.
Quando desliga o telefone se dá conta do silêncio constrangedor no bar.
-O que foi? – pergunta.
-Nada! – diz Andrade – Mas de qualquer forma, Anízio.... Beleza... Que beleza!
Para quem quiser relembrar o primeiro clique aqui, ou no marcador abaixo da minha assinatura.
E este texto foi feito with a little help from my friend Anselmo Coyote.

Comentários

Raphael disse…
O espetáculo da desgraça alheia é uma indústria que movimenta milhões...

Boa escrita Groo, como sempre. Abraço e seja sempre bem vindo ao PH Miniaturas.
Ah, Anízio!!!
Mas "aniziar" é um pecado?
Se sim, é mortal?

Tá, digamos que ele tenha informação privilegiada!

Mas, sei não!
Anselmo Coyote disse…
Muito bom, Groo.

Parece-me que foi um ato-falho. Coisa à toa. Mas que é muito engraçado, é.

Foi como a mulher do dono da funerária aqui em Divinópolis-MG que, dizem as más-línguas, atendeu um telefonema assim:

- Funerária Nossa Senhora do Rosário, sua tristeza é nossa alegria, boa tarde, em que posso ajudá-lo, senhor?

Abs.
FilipeJMS disse…
Ehehehehe, é aquele esquema de sempre negar até a morte! Nesse caso, ele literalmente nega até a morte!!
Manu disse…
Quando li: "Dito Fernando vivia dizendo – mesmo quando era prefeito – que a cidade era um péssimo lugar para viver, mas para morrer servia bem já que morto não tem luxo mesmo..."
Eu diria que se tratava da minha cidade mas...

Ótimos contos de botequim, Groo!
Abs!
Daniel Machado disse…
Olha só isso, ganhando em cima da desgraça dos outros... conheço uma história parecida mas melhor nem falar muito nela rsrs. Mais um belo conto Groo. Aliás quero te fazer um convite: Se puder mesmo, queria convidar você a fazer uma participação especial no meu blog escrever sobre o que você quiser. Claro, se puder também. Me avise ok? Grande Abraço!
Daniel Machado disse…
Groo, manda pra meu e-mail: daniel_machado_1@hotmail.com
abraço!
andreh disse…
Cara, isso me lembrou uma história q aconteceu comigo, nada a ver mas... Estava eu numa pastelaria, no balcão, de um lado um senhor, bem velhinho, qdo chega do outro lado outro velhinho e pede um pastel, o primeiro(velhinho) reconhece a voz, dá uma inclinada pra frente pra ver quem chegou e reconhecendo o amigo diz: Rapaz, é vc q tá aí, qto tempo! Pois faz tempo mesmo hein?-responde o outro- eu pensava até q vc já tinha morrido!!! Quase voa pastel da minha boca! Tive q parar de comer pra rir! Amigo, hein?!? Legal o conto Groo! Principalmente pq me fez lembrar dessa passagem!
Anônimo disse…
...e M.C., escreve: Tá, Ron, gostei. Mas, para um sujeito que mora no Rio, estou à procura de novos, novíssimos golpes. Do policial papa-defunto é velha. Desde do faroeste. Ontem, no debate da Badeirantes, soube, por intermédio dos cãodidatos ao governo do Rio que o nosso atual supimpa desgovernador compra computadores e ar-condicionados sempre mais caros do que qualquer Tele- Rio( ex- Time Square - já tivemos uma ligação com New York... Acho até que o Rio de 1950 e 1960 tinha muito mais a ver do que Sampa com a Big Apple e sei de paulistano que se sente enganado quando vai lá em N.Y. pela 1ª vez... O Rio já era mas comparar Sampa com Manhattan, o filé mignon de N.Y...). Computadores e ar condicionados que vão parar nas escolas estaduais queeeee estão à frente, e somente, das bravas escolas do Piauí ! Isso mesmo, o Rio de Janeiro, o segundo estado da nação, atrás da locomotiva movida à carvão... graças ao petróleo, produto que querem nos roubar os royalties. Mas, depois de tudo isso, gostaria de perguntar a voce em quem vai votar. Serra, Marina, Dilma ou Plinio ? Eu, daqui, da ex-cidade maravilhosa, votarei a contra gosto no Serra e no Gabeira. Lembro dele, Gabeira, de tanguinha de tricô em Ipa... a favor da maconha libre. Mudou, sim, estão a chama-lo de ex-gabeira. Mais conservador. Sou conservador. Tive pesadelos horríveis com ele naquela época, sabia ? Bom que a filha veio uma gata extremamente corajosa. E para o pai mudar me parece que, vewndo o que a filha faz, quem não puxa os seus é monstro. De socialista e parceira da Dilma e sequestros, agora é conservador ! Corajoso ! Ah, a filha gosta de Big-wave no Havaí, é a parada dela. Uma sereia. E voce, em Sampa ? Os contos poderiam entrar na "era" das eleições...
Ron Groo disse…
Ehehehehe Calma, com a proximidade dos pleitos eles aparecem...

E obrigado pela história do "Vesti Azul" do Simonal, achei muito pertinente.
Anônimo disse…
.... e M.C., escreve: Pô, me esqueci de voltar aqui... Rapaz, ando com a cabeça meio doidcha ! Eleição me deixa meio azucrinado ! Ontem, ver o Seu Cabrau e suas maldragens... Sou péssimo brasileiro mas quero salvar o Brasil ! Dá prá entender ?A situação é péssima e o povão, coitado, não vê ! Não enxerga e não sente o cheiro há um palmo na frente do nariz. Bom, não há de quê.... Tenho pena do que fizeram com o Simonal. Só sei que perdemos um grande interprete( pois morreu devido as calúnias) e trocamos por canalhas festivos risonhos... gente que mora pertinho de mim.
Anônimo disse…
... a um palmo ... Boa noite, Groo. E não vá ver ÓVINIS por aí... HA !


M.C.
Anselmo Coyote disse…
Ô Groo...

O - objeto
V - voador
N - não
I - identificado.

Pow...

rsrs.

Abraço.
Anselmo Coyote disse…
Ô Groo...

O - objeto
V - voador
N - não
I - identificado.

Pow...

rsrs.

Abraço.
Ron Groo disse…
Obijeto

Vermelho

Irritante

Não

Incomodado (pela FIA)