O Dia em que a musica morreu, ou quase isto

Nem se trata de ser ou não a melhor musica de Gilberto Gil. Sua obra é muito vasta para ser definida em uma só canção ou disco.
Eis aqui a continuação do texto “The day the music died”.
Não, não estou louco. Gil não morreu e nem a canção marcou inicio ou fim de nada. Apenas tem o mesmo numero ou mais de citações de um período quanto “American pie” de Don Mclean. Com a vantagem de não ter ficado tão emblemática quanto a canção do americano em sua carreira.
Gil teve vida depois desta canção, já Mclean...
O texto anterior dizia do fim da ingenuidade dos jovens americanos, que muitos associam ao acidente que matou os três jovens rockers. Mclean captou as mudanças que vieram nos anos seguintes ao acontecido e fez sua obra prima.
Já no Brasil não tivemos um acontecimento nem parecido. A juventude brasileira e sua musica, não caminha sobre mortes, mas evoluções.
Não houve uma morte de artista, seja ele qual for ou de qual gênero seja capaz de mudar a cabeça ou opinião da juventude brasileira.
Não foi a morte de Chico Alves que detonou a bossa nova. E nem o passamento de alguém da turma do banquinho e violão que fez nascer a tropicália. Muito menos a morte um de seus fundadores e arquétipos artísticos, o poeta Torquato Neto, que pos fim a ela e fez a gênese do BRrock de Blitz, RPM, Legião, Titãs, Paralamas e afins.
Foram ciclos de evolução normais, esperados e desejados.
Simples...
Não foi a explosão da Tropicália que detonou o fim da “inocência” no Brasil. Assim mesmo entre aspas, mas a prisão de Caetano e Gil e seu posterior exílio.
Eis aqui o evento!
-Ah, mas antes já tinha gente dando bordoada no regime de exceção!
É tinha... Mas foram exatamente dois que ainda não tinham dado as tais bordoadas que pagaram o pato.
Esqueça Geraldo Vandré.
Em seu livro Verdade Tropical, um catatau narcisista e auto mastubatório, Caetano, que é ou era desafeto de Vandré conta o porquê de ele ter escolhido o arranjo voz e violão para a canção ‘Pra não dizer que não falei das flores (caminhando)’ Puro golpe mercadológico. Vandré apostava que depois do sucesso de Chico ele seria o próximo grande astro da MPB. E achava que a turma da banana, como era conhecida a Tropicália estava atrapalhando seus planos com tanta exposição e estridencia.


Caetano e Gil – os tropicalistas mais populares e lideres do movimento – queriam apenas a revolução estética artística. Queriam mesclar a o pop mundial com a cultura brasileira à qual pertenciam. Queriam levar a sua musica ao mesmo nível do que estava sendo feito nos EUA e na Europa.
Só que com o que produziam até então estava ficando difícil. Tudo era como uma cópia mal feita e sem peso. Caetano chegou a dizer que achava seu primeiro disco datado e fraco. Era necessário procurar outros caminhos para aproximar os dois universos. O brasileiro e o pop então em voga.
Nasce ai a Tropicália.
As ações de marketing cultural deste movimento chocavam a tradicional família brasileira provavelmente até mais que suas musicas.
Episódios em seus programas de televisão como encenar a Santa Ceia dando a Gil o papel de Jesus Cristo ou Caetano cantar ‘Boas Festas’ de Assis Valente (“... Ou então felicidade é brinquedo que não tem”) ode a depressão natalina. E em pleno natal! Com uma arma apontada para a própria cabeça trazia enxurradas de cartas com críticas à sede da emissora que transmitia o programa. E isto ajudava os censores do governo e detratores da juventude em geral a criar o mito de que a Tropicália queria destruir tanto o regime militar como a instituição da família.
Gil sentia que havia muita nitroglicerina no ar. Caetano ria.
Curiosamente o episódio que os levou a prisão e depois ao exílio nem existiu.
Relatado em depoimento na policia pelo radialista Randal Juliano, sem ter visto diga-se, Caetano e Gil teriam cantado versos provocadores na métrica do Hino Nacional e cuspido na Bandeira em um show na boate Sucata. Foi o que bastou para que os milicos os prendessem por três meses e só os libertassem depois de concordarem em deixar o país.
Aqui está o dia em que a musica morreu no Brasil?
Não. Mas quando desapareceram os juvenis e provocadores artistas que eram então Gil e Caetano.
Se para Caetano o exílio foi doloroso demais, para Gil foi menos intenso em sua dor e mais proveitoso no que tange a decolagem de sua carreira.
Ficou perto dos ícones pop aos quais queria emular: Hendrix, Zeppelin, McCartney entre outros. Pode tocar com vários músicos importantes da época, e assim aflorar seu lado band leeder, fora algumas mudanças pessoais que transformaram completamente sua forma de compor.
Gil voltou do exílio outro homem. Mais antenado com a realidade do país e por que não dizer, do mundo.
Aqui está o evento tão importante quando o ‘dia em que a musica morreu’ nos EUA, porque depois da volta de Caetano e Gil do exílio os dois passaram a ser parâmetros para todo e qualquer musico que quisesse ter importância. A adição definitiva das guitarras elétricas, a incorporação definitiva do rock and roll como ferramenta - e não linguagem - dentro de seus trabalhos sem que isto os fizesse perder a raiz brasileira.
E a canção ícone? Afinal eu havia perguntado se haveria uma.
Em minha opinião é ‘Refazenda’, do álbum homônimo de 1975.
Por todos os elementos já citados e pela alusão total em sua letra ao regime que o tinha expulsado do país alguns anos antes em versos simples e quase bucólicos, mas que são muito carregados de significado político.
A semente estava plantada, o que veio depois é consequência...


Discover Gilberto Gil!

Se quiser conferir e acompanhar a letra, aqui.

Comentários

Felipão disse…
CLAP CLAP CLAP

e ainda deu um jeitinho para a gente ouvir a música,,,

e, assim como na vida, a música vai seguindo seus ciclos. E hoje em um momento pior, com essas novas bandas emo...
Teté M. Jorge disse…
Ron, eu tenho vindo sempre aqui, mas ando meio preguiçosa pra comentar. Repare não!

Mas hoje seria impossível não falar!

O texto está um espetáculo e... acredite ou não, hoje eu cantei essa música o dia inteirinho enquanto labutava. Vim aqui agora e dei de cara com ela novamente.

Coincidências existem? Nada é por acaso? Tente resolver essa...

Beijos e parabéns pelos belos textos passados e este em especial.
Unknown disse…
que maravilha de texto. sou extrangeiro e nem conheco a hhistoria do regime militar no Brasil, mais entendo que o artista muda o entorno nem sempre no seu nome, e as vezes em nome da sociedade. quem sabe e isto justifique a persecusão ao tropicalismo, pois era um movimento forte e com potencial de confrontar as estruturas de poder.
Caro Groo, the wanderer:

Parafraseando a onomatopeia (agora sem acento) evocada pelo leitor Felipão no primeiro comentário: CLAP, CLAP, CLAP para seu texto.
Parabéns.
Boa noite Groo, seu texto está primoroso, principalmente no que tange a fatos e fontes. É interessante uma narrativa que as vezes começa "chata" mas depois quando os elos são amarrados dá um apanhado perfeito da estética que você tentou alcançar com a sua narrativa.
Pronto já rasguei a seda agora vamos cair no pau, sempre achei o Gil e o Caetano dois fora de série da cultura brasileira, o Gil mais música e o Caetano mais poesia, Também acho honestamente o Gil mais completo principalmente em não se "achar" o descobridor de nada e nem parâmetro de coisa nenhuma, ao contrário do Caetano e seu estilo "blasé" e mercadologicamente "descuidado" quando na realidade fica revoltado quando não é alçado a condição de gênio, ocorre que ele não tem peito de lançar essa idéia de frente, ele sempre corre atrás disso na terceira pessoa. Para sintetizar, a pessoa mais crítica em o Caetano não ser considerado um gênio é ironicamente o próprio, é uma falha de carater imensa dele, mas ninguém é perfeito né?
Também não voui concordar quanto a visão mercadológica do Vandré, que provavelmente sofria e ainda sofre de esquizôfrenia, deve ser um dos seres mais abomináveis para se conviver talvez devido a esse mal que o persegue, mas em termos de combater de frente a ditadura com suas letras inteligentes e diretas é insuperável, recomendo a todos a análise da "canção da despedida" e sua letra única e de um brilhantismo dificilmente alcançado por alguém que faz uma analogia entre os anos de chumbo e uma aparente canção de despedida um tanto quanto romântica, o suficiente para levar no bico sensores idiotas e obtusos, como diga-se de passagem todo o sensor deve ser, é requisito básico para a função....
" ...Um rei mal coroado, não queria o amor em seu reinado pois sabia não ia ser amado, amor não chora que eu volto um dia..."

Tradução by politicamente incorreto:

" ...ditador FDP, você é contra a liberdade e a democracia, afinal se ela existisse ninguém ia te querer por perto seu merda, mas aguarde que o seu fim está próximo..."

Esse era o mestre Geraldo Vandré que teve um verso final extirpado de "Para não dizer que não falei de flores" ou "caminhando" para quem só ouviu a versão na voz da idiota da Simone:

"...Eu não vou a guerra porque não quero matar, minha mâe não vai querer uma medalha em meu lugar"
Anônimo disse…
sem comentários. só faltou meu Raúl.
Marcos Antonio disse…
ótimo texto groo, realmente a musica brasileira sempre ultrapassa ciclos sem que algo aconteça. Vc não ve essas bandas emos?fugindo um pouco do assunto do post, vc já pensou que a primeira década do século será lembrada pelo o surgimento dos emos?parem o mundo que eu quero descer...
Quati disse…
Sem medo de errar, posso dizer que NÃO SE PUBLICAM MATÉRIAS EM BLOG COMO ANTIGAMENTE!

Mas, ainda bem que o Groo é de antigamente!! E continua publicando matérias assim que deixa a gente triste pelo fato de ela já ter acabado. DÁ VONTADE DE LER MAIS E MAIS, SEM PARAR!!

Groo, fenomenal.

E, uma coisa é certa [e triste]:
NÃO SE FAZEM MÚSICAS COMO ANTIGAMENTE!

Abração!
Anônimo disse…
Groo, já vi que tens bom gosto. E vejo também que curte automobilismo. Pois no meu blog, o Motorizado (www.motorizado.wordpress.com) tem vídeos sobre os testes da BMW em Valência na semana passada. O F1.09 rasgando a reta do circuito Ricardo Tormo impressiona, bem como as intensidade dos ventos que afetaram a região. Confira. Um abração!
Muito legal o post, Groo. E verdadeiro. Tenho um amigo que é músico e encontrou o Gil algumas vezes. Numa deles, falou para o ídolo que achava o obscuro "Ao Vivo no Tuca" o melhor disco dele. Gil sorriu e respondeu: "eu tb acho". É um dos primeiros trabalhos dele na volta ao Brasil. E é mesmo sensacional!

Abs
Grid GP disse…
Ê, sucesso!

Fábio
Ron Groo disse…
Brigado Felipão, e se eu não desse um jeito de todos ouvirem a musica o post ia ficar imcompleto.

No creo en coincidencias, pero que las hay. Las hay! Brigadão Teca

È esta mesma a mensagem F1ALC, brigado.

Eu conheço a letra que citou Ruben, é um primor e sempre a interpretei mais ou menos como você, mas nem assim engulo a arrogancia e a 'esperteza' de Vandré. O que eu falei sobre ele colhi em diversos volumes sobre a era dos Festivais. Valeu!

Ele tá ai Tohmé, na ultima frase do texto. rs.

A nova geração do Rock no Brasil é lixosa mesmo né Marcos, parecem sertanejos com guitarras pesadas.

Brigado Buck.

Ok Ylan, brigado pela visita, mas gostou do texto? Tem algo a acrescentar ou criticar? É muito importante isto. Volte sempre.

Também gosto deste disco Ico, é energico e muito inspirado. Mas pra mim o melhor mesmo é o "Expresso 2222".
Brigado pela visita.

Do Gil, né Fabio?
Anônimo disse…
Sabe uma das coisas que mais me chamam atenção em relação a músicas? É que há sempre uma mensagem ali, cheia de metáforas como a do McLean ou como esta do Gil, ou não. Os recursos são tantos e mesmo assim tem gente que parece ter pavor de coisas neste estilo ou por preguiça de querer entender o que quem canta está falando ou por comodismo.
Parabéns pelo texto, Groo, e muito obrigada por compartilhar seus conhecimentos conosco,viu?